O interesse em lutar contra a opressão

Em tempos difíceis é necessários que a gente se interesse, também, pela dor do outro. E que possamos atuar, também, contra a opressão que não nos atinge.

Das coisas que me deixam mais esperançoso nesses tempos difíceis que vivemos, uma delas, talvez a principal, é ver uma pessoa ou um grupo de pessoas debatendo ou se engajando em um tema vinculado a uma opressão que não sofre. Explico. Renova-me as forças ver brancos falando de racismo e questões raciais diversas, heterossexuais falando das questões LGBT, homens falando sobre machismo e igualdade de gênero. Digo isso, pois é comum ver as pessoas engajadas em causas que visam o seu bem-estar.

Ontem, estive na exibição do filme “Primavera das Mulheres”, película produzida para ser exibida no canal GNT, mas que teve uma sessão especial no Cine Odeon em homenagem a Marielle Franco. Além do já esperado gigantesco público feminino, mulheres fortes, engajadas, feministas e no front pela igualdade de gênero, me chamou a atenção e muito me alegrou ver cada figura masculina ali presente, demonstrando sua solidariedade e sobretudo interesse pelo tema que, em regra, não os afetaria. Ainda que poucos me deram a sensação que as mulheres não estão sozinhas.

Ontem, também, participei de uma mesa na faculdade ESPM, onde o tema de debate era “A inserção do negro no ambiente acadêmico e profissional”, com vistas ao recorte de cor, classe e econômico. Com um público ouvinte composto por alunos da faculdade, tínhamos ali um cenário padrão dos locais elitizado, uma composição de pessoas que refletia o recorte econômico nacional. Afinal, nós sabemos bem quem são as pessoas que podem pagar R$ 3.803 em uma mensalidade de faculdade.

Com um público majoritariamente branco, eu contei cinco negros, entre os aproximadamente 40 alunos que compunham a sala. Foi interessante vê-los ali para ouvir uma mesa com cinco pessoas negras falando e relatando suas dores enquanto pessoas negras inseridas em um ambiente acadêmico elitizado e embranquecido. Na mesa composta por quatro mulheres negras e um homem negro, diversas temáticas da influência da cor foram abordadas. Iniciando-se no isolamento do ambiente acadêmico, culminando na subjugação no mercado de trabalho. Todos os temas foram comuns entre os compositores da mesa, retratando, ainda que seja algo óbvio, como o racismo atinge democraticamente todos os negros, sobretudo os que desejam ocupar um espaço que “não é seu”.

Outra questão evidente dentre as falas, que é necessário mencionar, é como o racismo atinge com uma intensidade muito maior as mulheres negras, com influência muito mais ampla em sua vida, indo do mercado de trabalho, seu corpo, seus afetos a sua vida sexual.

Foram duas horas e meia de muita troca, muitas dores expostas, muitas confidências compartilhadas. Para minha alegria, principalmente, foram duas horas e meia de pessoas brancas privilegiadas dispostas a ouvir as dificuldades enfrentadas por cinco jovens negros, e dispostas, também, a uma atuação ativa no combate ao racismo estrutural.

Das coisas que mais ouvimos estava sempre presente os questionamentos vinculados ao desejo de ajudar: “o que devo fazer se eu presenciar um caso de racismo ao meu lado”, “como agir”, “como posso ajudar os negros além de simplesmente falar sobre o tema”. Questões com respostas diversas, porém, em que o mais importante, sobretudo para mim é, estou perante 45 brancos elitizados e privilegiados que entendem o peso do racismo estrutural em nossa sociedade e querem falar sobre. Isso deveria, acredito eu, regar nossas esperanças! Afinal, a revolução será, também, coletiva!