O dia depois da Lei Áurea

Morro da Gambá na Serra dos Pretos Forros / Complexo do Lins. Crédito: Reprodução internet

O dia depois da Lei Áurea deveria ser um dia onde os negros fossem libertados de fato, mas não foi bem isso que ocorreu desde aquela época até os dias atuais. Os negros continuam marginalizados e colocados como sujeitos de segunda classe, apesar de serem mais de 54% da população, segundo dados do IBGE. Mas por que essa população, que corresponde a mais da metade dos 205 milhões de brasileiros, segue em uma situação de exclusão socioeconômica em sua maioria?

Dados recentes do Ministério do Trabalho apontam que dos 13,7 milhões de desempregados no Brasil, 63,7% são negros. A Anistia Internacional trouxe a público dados impactantes sobre a mortalidade de jovens negros: 77% dos 30 mil jovens mortos anualmente no país são negros. Dados do Infopen, o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, mostram que dos 726.712 presos no Brasil, 64% são negros.

É bom salientar e destacar esses dados mencionados para os que continuam alheios a essa questão não venham falar sobre “vitimismo”, não há tal coisa, há morte, há desemprego, há encarceramento e segregação nos processos políticos e econômicos do Brasil. O negro que foi posto à margem da sociedade após a Lei Áurea, diferente dos imigrantes europeus que vieram para nosso país subsidiados pelo governo brasileiro, foram deixados à própria sorte e se viram dentro de uma liberdade relativa. Foram forçados a vender sua força de trabalho por valores irrisórios para que pudesse sobreviver e, ainda, não tinham onde morar e muito menos o direito de estudar e/ou frequentar as igrejas.

O processo de exclusão que vem desde o início do Brasil Colônia só se acentuou durante o tempo, sem terras, sem acesso à educação, sem empregos dignos. A população negra resistiu a duras penas durante o fim século XIX e boa parte do século XX. No decorrer do último século a educação se tornou universal, mas ainda sim a população negra tinha dificuldade de acesso. Avançando para o século XXI temos a adoção de política de cotas raciais em universidades públicas. Foi um grande passo para ensaiar uma reparação. Entretanto, a educação básica está cada vez mais deficiente, o que dificulta o acesso ao ensino superior, ainda que as cotas existam.

Para além da questão educacional, temos a problemática da habitação. Boa parte dos negros libertos foram morar em quilombos ou habitações precárias nas áreas urbanas. Boa parte dessas localidades foram negligenciadas pelo Poder Público, dando origem as favelas e colaborando para o aumento do déficit habitacional no país.

A “branquitude” eurocêntrica brasileira tenta a todo momento desqualificar e se apropriar da cultura afro-brasileira, bem como dificultar a difusão da verdadeira história do Brasil. Podemos observar isso em um caso recente que ocorreu em uma escola no sul do Estado, onde um grupo de pais foi contra a utilização de um livro que contava a história de princesas africanas. Precisamos falar sobre racismo estrutural, que ocorre nas entrelinhas das empresas onde trabalhamos, nas escolas e universidade que frequentamos, bem como nos espaços religiosos que, além de promoverem falas racistas, promovem a intolerância contra as religiões de matriz africana. É necessário um olhar também para as produções publicitárias, que não mostram a diversidade racial da população brasileira, e para o audiovisual, que muitas vezes ignoram isso. Como exemplo, temos uma novela que começa esta semana, em que o cenário principal é Salvador, Bahia, mas a presença negra no elenco é quase inexistente.

Quase nada mudou. Continuamos à margem da sociedade, sofremos preconceito. No entanto, hoje temos um aumento significativo de negros acessando o nível superior, mobilizando movimentos culturais, trabalhando a empregabilidade da população negra, engajados politicamente. Seguimos resistindo e lutando para mudar esse cenário. Inclusive, há um movimento para criação de um novo partido político com foco na população negra e periférica, o Frente Favela Brasil.

No mais, gostaria de deixar minha saudação a todas e todos que lutam pelo respeito à população afro-brasileira e para que essa ocupe o seu espaço por direito. Muitos morreram para que chegássemos até aqui e não foi em vão. A luta segue em nosso dia a dia. Não vamos nos calar, não podem nos calar!