O desafio de ser mulher em cidades pensadas para mercadorias e homens

foto: Agência de Imagens da Prefeitura de Curitiba

Moradia, mobilidade, lazer, cultura, serviços públicos, espaços comuns, segurança pública e cidadania são elementos que compõem o direito a cidade, que nada mais é que um conceito abrangente que quando analisado como um todo dá uma noção de quão democrática é uma cidade. O direito à cidade é um direito coletivo e não individual, uma vez que a transformação dos espaços urbanos depende do poder público e é pensado para o coletivo, ou seja, é um direito que pensa na lógica coletiva superando a lógica individual de pensar e viver a cidade, priorizando as necessidades da maior parte da população. E é sob essa ótica que precisamos pensar a função social das propriedades, espaços públicos, transportes e desigualdades territoriais. Afinal, para que, para quem, por quem e como são pensadas as cidades?

Um exemplo para nos ajudar a pensar esses questionamentos são quando as linhas de ônibus que fazem trajetos bairros-centro (mais especificamente favelas e zonas distantes / centro) são diminuídas ou até mesmo cortadas nos finais de semana, situação onde fica nítido que pessoas que moram em regiões mais afastadas e dependem de transporte público não são bem vindas em momentos de ócio e lazer, sendo aceito a presença nos centros e cidade apenas para trabalho e produção de capital. As construções das cidades seguem uma linha funcionalista e racionalista, uma vez que ela é pensada para produção e consumo. Outro exemplo que podemos perceber o funcionamento das cidades é quando pensamos as políticas de moradias nos centros urbanos, que em geral levam em conta em apenas terrenos vazios, normalmente localizados nas periferias e ignoram terrenos e propriedades vazias no centro da cidade, essa lógica alimenta um déficit de estrutura, serviços públicos e contribui para periferização da população mais pobre.

Cenários como os descritos a cima evidenciam que pessoas de baixa renda tem a sua parcela de direito a cidade pouco reconhecida, mas quando pensamos na realidade das mulheres esse cenário fica ainda mais difícil. Começando pela cultura machista (patriarcado) de que as mulheres pertencem ao espaço privado (ao lar, família), mesmo as que trabalham fora são vistas pelos poderes públicos e pela mídia como associadas ao lar. As políticas públicas para mulheres são associadas a cuidados familiares e manutenção das suas vidas (leis contra agressão e morte de mulheres). As mulheres não vivem o espaço público, elas atravessam. E são travessias quase que exclusivas para sobrevivência, em dupla ou tripla jornada. É caminho para escola das crianças, para o trabalho, para faculdade, para o mercado e comércios para manter a família, são travessias longas principalmente para as mulheres periféricas que demandam tempo e desgastam e por conta disso as levam direto para seus lares (espaço privado). O machismo vigente em nossa sociedade torna praças, parques, bares lugares hostis para mulheres frequentarem sozinhas. A realidade fica ainda mais tensa para mulheres negras que enfrentam o racismo e intensifica o sentimento de não pertencimento e inadequação aos locais, a realidade das mulheres homossexuais ou bissexuais que não podem demostrar afeto em público sem correr grandes riscos de sofrer violências, as mulheres trans que lutam para poder utilizar banheiros, as mães que são excluídas pela cultura patriarcal de que mulheres são as únicas responsáveis pelos filhos mas os locais públicos não recebem crianças, não há cadeiras para as gestantes, atividades gratuitas para crianças, proibição de amamentação e outras condições que criam indisposição ( exclusão) dessas mulheres.

As cidades que queremos construir é uma cidade feminista e antirracista, é um espaço livre de todas as formas de dominação, lugares onde pensamos seres humanos de forma não sexista e superáramos as desigualdades. Para isso acontecer precisamos de mulheres em espaços de poder, nos governos executivos e legislativos, na mídia e principalmente nas ruas ecoando discursos e ações que barrem o machismo, racismo e o neoliberalismo. Direito a cidade é muito mais que transformação das funções econômicas da cidade e acesso aos serviços públicos, direito a cidade é democratização do controle ideológico, discursivo e simbólico das políticas públicas e espaços urbanos.

Ser mulher numa cidade pensada primeiro para produtos, depois para homens e quase nunca para mulheres requer força e luta contra séculos de opressões! Queremos e podemos participar dos processos de decisões da cidade para que a gente possa viver segura, ir e vir sem medo, usar o que queremos e viver plenamente nos espaços urbanos.