O brasileiro e o complexo de vira-lata

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O brasileiro e o complexo de vira-lata

“Complexo de vira-lata” é uma expressão criada pelo escritor brasileiro Nelson Rodrigues, inicialmente usado para uma questão relacionada ao futebol, mas não se limita a isso. Segundo ele, “Por complexo de vira-lata entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.” 1
Décadas depois, o termo se aplica e se faz em evidência mais do que nunca. Em tempos caóticos, onde emergem quase que simultaneamente dois governos fundamentalistas, em que o nosso país adota uma política externa confusa e submissa aos Estados Unidos, quem conhece a realidade que foi os tempos de ditadura teme as crescentes semelhanças com o regime. Quem nunca ouviu o Estados Unidos sendo citado como argumento em um debate pela liberação do porte/posse de armas de fogo? E a redução da maioridade penal, a adoção da pena de morte? E as privatizações de instituições estatais? É de se preocupar que o progresso do país seja medido em avanços rumo ao norte global.
Se tratando de Estados Unidos, existe uma glamourização do que conhecemos por “American way of life”, que seria em uma tradução livre, “o jeitinho americano de ser”. Somos bombardeados de cultura de massa norte-americana a todo momento, nas músicas, filmes hollywoodianos, moda, fast foods, etc. Somos levados a preferir sempre “o que vem de fora’’ à nossa cultura local. A grande potência mundial é um espelho em que somos ensinados a procurar nosso reflexo.
Tudo isso esconde as mazelas desse país. Por exemplo, o Brasil tem um sistema de saúde, que sim, infelizmente tem inúmeros problemas e não consegue atender a população adequadamente, mas além de outros benefícios, o brasileiro pode ser atendido gratuitamente. Nos Estados Unidos, o sistema público de saúde atende apenas uma parcela da população e nem todas as demandas, sendo assim, dependendo das necessidades do paciente e do abuso das instituições privadas, é comum ir a falência ou simplesmente não conseguir atendimento por não possuir seguro médico, seguro hospitalar, entre outros. É evidente que o Brasil sofre com sucateamento do SUS, mas privatizar seria uma boa opção para a população, onde de acordo com o DataFolha de 2013, 66% das famílias ganham até 2.034 reais mensais?
Essa falsa ilusão de que o capitalismo “deu certo”, o complexo de vira-lata em vários âmbitos sociais, entre outros fenômenos, são um terreno propício para acontecimentos absurdos como um acordo em que o Brasil abre mão da sua soberania e cria áreas restritas na Base de Alcântara no Maranhão a somente pessoas autorizadas do governo estadunidense. (O acordo ainda precisa passar pelo Congresso). Um país abrir mão da sua soberania é algo que merece atenção, precisamos acompanhar os rumos que a nossa política externa está tomando e analisar as questões do ponto de vista apresentado no texto nos ajuda a desconstruirmos a neocolonização que sofremos diariamente.

1 Texto publicado na revista Manchete esportiva, a 31 de maio de 1958.