O Bode Expiatório

marcelo.freixoExpiação é o ato ou efeito de expiar, castigo, penitência, preces para aplacar a divindade. Na época do Templo de Jerusalém, durante as cerimônias hebraicas do Yom Kippur, um bode expiatório era separado do rebanho e deixado só na natureza selvagem.

No ritual, dois bodes eram levados junto com um touro para um local de sacrifício, onde ocorria um sorteio.  Com o resultado, um dos bodes era queimado no altar junto com o touro.

O outro bode, o expiatório, ouvia os pecados do povo de Israel. O bode era solto posteriormente na natureza para levar o pecado do povo. Em sentido figurado, um “bode expiatório” é alguém que é escolhido arbitrariamente para levar a culpa de uma calamidade ou qualquer evento negativo.

A busca do bode expiatório é um ato irracional de determinar que uma pessoa ou um grupo de pessoas, ou até mesmo algo, seja responsável de um ou mais problemas.

Na tradição da política e da segurança pública brasileira já aconteceram vários exemplos de bode expiatório. Quando há um grande assalto ou ação mais ousada de bandidos, no dia seguinte, depois da favela arrasada, aparece sempre um membro da família dos caprinos, para levar a culpa(depois de apanhar muito, em geral).

O bode expiatório dessa semana parece ter sido escolhido ao se levar em conta tanto a política(aquela mesquinha, baixa), quanto a segurança pública.  Um famoso grupo jornalístico escolheu fazer um linchamento, isto é, matar antes de julgar, um deputado estadual do Rio de Janeiro,conhecido por sua atuação na defesa dos direitos humanos, razão pela qual é constantemente perseguido e até ameaçado de morte.

Esse grupo de mídia, o qual prefiro não dizer o nome de forma Global, tem se comportado como um jornalzinho de fofocas de cidade pequena. Publicando em seu site algo como:”uma amiga minha  ouviu de alguém, que passou no supermercado e ficou sabendo lá que fulano tem algo de ligação   com  sicrano”.

Qualquer calouro de faculdade de Jornalismo aprende, no primeiro semestre, que é necessário ter fontes confiáveis, conferir e reconferir a notícia antes de publicar.

Pois ao se eleger um bode expiatório, pode-se estar condenando outro a fogueira. E desta, não há retorno.
A imagem de alguém, levianamente queimada, não se repara facilmente. A péssima tradição do jornalismo brasileiro é essa: a calúnia e a difamação vêm na primeira página, em letras gigantescas.  Já a retração, o pedido de desculpa, no dia seguinte(quando vem!), sai numa página escondida, lá no finalzinho. Mas em época de redes sociais pautando notícias, promovendo modas e atitudes, divulgando e esclarecendo o que a “Grande Imprensa” não mostra, talvez o provável “tiro no pé” desse grupo fique mais evidente.

Se houvesse um jornalismo sério, isento e comprometido com a verdade, a dita “grande imprensa” deveria buscar “bodes expiatórios” para as mortes listadas abaixo.
Você aí que está pensando ou dizendo que o primeiro morto nas manifestações foi o cinegrafista Santiago Ilídio Andrade: você é muito mal informado. Antes morreram, pelo menos:
1. a gari Cleonice Vieira de Moraes, em Belém (PA), vítima do gás lacrimogêneo lançado pela polícia militar;
2. 13 mortos na favela Nova Holanda, no Complexo da Maré (RJ) – neste caso, a imprensa sequer se deu ao trabalho de informar todos os nomes;
3. o estudante Marcos Delefrate, de 18 anos, em Ribeirão Preto (SP), atropelado por um carro que furou um bloqueio de manifestantes;
4. Valdinete Rodrigues Pereira e Maria Aparecida, atropeladas em protesto na BR-251, no distrito de Campos Lindos, em Cristalina (GO);
5. Douglas Henrique de Oliveira, de 21 anos, que caiu do viaduto José Alencar, em Belo Horizonte (MG), por ter sido acuado pela polícia militar;
6. o marceneiro Igor Oliveira da Silva, de 16 anos, atropelado por um caminhão que fugia de uma manifestação, numa ciclovia próxima à Rodovia Cônego Domênico Rangoni, na altura de Guarujá (SP);
7. Paulo Patrick, de 14 anos, atropelado por um táxi durante manifestação em Teresina (PI);
8. o senhor que foi atropelado por um ônibus, ao tentar fugir da polícia, na mesma manifestação em que o cinegrafista Santiago foi atingido – sobre esta outra vítima, nenhuma linha na imprensa.

Maximiano Laureano da Silva