Negra demais pra ser branca, branca demais pra ser negra

A luta em se reconhecer e não se manter em um limbo racial.

foto: arquivo pessoal

No Brasil, mais de 54 % da população é considerada negra/preta, porém, muitos tem uma grande dificuldade de serem lidos como negros no nosso país, mesmo se identificando como tal. Os negros de pele clara, muitas vezes, não são reconhecidos como negros e
também não são reconhecidos como brancos, por isso vivem uma constante dificuldade em de encaixe racial.

Sobre esse assunto, convidamos Thais Torres, 32 anos, moradora do bairro de Bangu, no Rio de Janeiro. Ela é cozinheira, integrante do Grupo jongo da Lapa, e trouxe para a ANF um pouco da sua história como mulher negra de pele clara.

1. Como foi seu processo de se perceber uma Mulher negra?

Então, essa “descoberta” está muito ligada ao jongo. Comecei a frequentar as rodas e a me interessar sobre as questões abordadas e o meu lugar diante disso. Foi quando uma amiga, Aline, que é Psicóloga, me ajudou nesse processo. Meu pai sempre me chamou de sarará e pra mim era isso, eu era a sarará do meu pai, por um momento isso bastava, mas agora não mais. Nesse processo eu fiz transição capilar que foi tenso, e aí começaram os problemas, as piadinhas maldosas, os questionamentos de outras pessoas, mas nada com intuito de ajudar e sim ofender. Quando eu optei por fazer a transição eu já estava lidando com as minhas questões e não estava precisava de interferências externas, e infelizmente foi o que mais tive.

2. Como você faz para construir seu processo de negritude?

Hoje eu me reconheço como uma Mulher Negra, entendo que tenho privilégios por não ser retinta, mas sou aquela que se preocupa em ouvir e entender o lado do outro.
Estudei bastante a questão do colorismo e como posso somar nessa luta.

3. Negra demais para ser branca, branca demais para ser negra.
O que essa frase diz para você?

É a minha Realidade, apesar de me entender como uma mulher negra, é justamente isso, na régua do social é isso, eu não sou branca, e não sou negra o suficiente pra poder entrar em Wakanda. E aí ? Eu fico no meio do caminho, em um limbo racial.

4. Você tem dificuldades de ser entendida por pessoas negras
mais retintas?

Isso por muito tempo foi uma questão muito complicada. Até hoje ouço umas gracinhas, mas já não me sinto ofendida em ser chamada de paçoca, “afro bege” . Mas é meio chato em ter que ficar se autoafirmando sabe ? Hoje em dia tento não me deixar atingir por
esses comentários e sigo. É confuso sabe ? ser excluída por aqueles que reclamam justamente por conta de exclusão .

5. Você já sofreu agressão? Ou alguma abordagem violenta?

Uma vez estava chegando na Lapa, meu cabelo estava um black natural e aí passou uma mulher comentando com outra “nossa deve estar cheia de piolho”, enquanto me olhava.
Aquilo foi tão forte que não consigo esquecer a cara dela, eu não tive reação, minha noite
acabou ali. Aquele foi um divisor de águas na minha vida, desde então não ouço desaforo. Uma vez saindo de um terreiro em São Paulo, um homem veio pra cima de mim e de uma amiga dizendo que “macumbeiro tinha que morrer”, eu fui pra cima dele e fomos todos parar na delegacia

6. O que você diria para uma pessoa que acha que você não merece ser chamada de negra?

Você tem todo direito que achar o que quiser, desde que isso não venha me agredir ou me ofender. Eu já estou em uma fase que sinceramente a opinião do outro não me importa. Eu sei quem sou, o que passei e o que vivi. Eu não posso deixar que pessoas que só por saberem meu nome, venham legitimar ou não o que sou ou deixo de ser.

Gostou da matéria?

Contribuindo na nossa campanha da Benfeitoria você recebe nosso jornal mensalmente em casa e apoia no desenvolvimento dos projetos da ANF.

Basta clicar no link para saber as instruções: Benfeitoria Agência de Notícias das Favelas

Conheça nossas redes sociais:

Instagram: https://www.instagram.com/agenciadenoticiasdasfavelas/
Facebook: https://www.facebook.com/agenciadenoticiasdasfavelas
Twitter: https://twitter.com/noticiasfavelas