Masculinidade tóxica e afetividade

Durante toda a nossa vida, ouvimos histórias de homens que cometeram atitudes terríveis contra as pessoas pelas quais eles mais deveriam nutrir respeito: suas companheiras e sua família. São traições, mentiras, agressões psicológicas e verbais e muitos outros comportamentos que a sociedade tende a naturalizar: são as chamadas “coisas de homem”. Ele traiu? Normal; homem é assim mesmo… não consegue viver só em um relacionamento. Ele mentiu? Homem é desse jeito. Ele abandonou os filhos? Muitos outros homens fazem isso também. Ele bateu na companheira? Ela deve ter feito alguma coisa para merecer a surra.

Pois é. Porém, sinto em desapontá-los, mas não, isso não é coisa de homem. Essas atitudes são naturalizadas pela sociedade machista em que vivemos, na qual o patriarcado dá carta branca aos indivíduos do sexo masculino. É muito comum que, desde pequeno, um menino ouça coisas do tipo “engole o choro e seja homem” ou “você está agindo como uma menininha”. Essas e muitas outras frases são fruto de um veneno enraizado na sociedade: a masculinidade tóxica (que, além disso, é frágil). É a partir dessa visão que nasce o machismo, pois prega-se que atitudes e objetos associados às mulheres são negativos, provocando raiva de coisas associadas à feminilidade. Desde higiene básica e etiqueta até exploração de hobbies e criatividade não são coisas de homem de verdade”. As mulheres, nesse caso, só são bem quistas quando usadas como troféu, ou seja, quando homens estão em suas tradicionais rodas de conversa, falando sobre como usaram várias mulheres para se satisfazer. Geralmente, a única mulher que esses homens respeitam e amam são suas mães – por isso, xingar a mãe é algo muito grave entre os “machões”.

A masculinidade tóxica possui raízes que estão fincadas na antiguidade. Talvez por isso seja tão difícil retirá-la da mente dos homens. Esse tipo de masculinidade, como foi citado anteriormente, proíbe tudo o que for relacionado a comportamentos femininos. A extensa lista de proibições inclui sentimentos ou, pelo menos, a demonstração da existência deles. A sentimentalidade sempre foi atribuída à comunidade feminina. Mulheres são estereotipadas pela fragilidade emocional, o que, obviamente, é mentira. Homens são, desde cedo, ensinados a “não sentir”. Não podem chorar, não podem amar apenas uma mulher, não podem amar quem não seja mulher, não podem demonstrar afetos para com os amigos. Mas o fato de “não poderem” não significa que não sintam. Só significa que eles devem crescer com os sentimentos reprimidos. Freud estudava o inconsciente e sua relação com as atitudes das pessoas. Quando executou a famosa pesquisa com as histéricas – o que foi propagado de forma machista, inclusive, pois a histeria foi associada às mulheres – o psicanalista percebeu que atitudes agressivas são relacionadas a traumas e sentimentos reprimidos. Por isso, não é raro que tantos sejam agressivos, misóginos ou que não saibam demonstrar afeto. Eles foram moldados para isso.

Quando um homem engana mulheres em seus relacionamentos amorosos, quando ele não expressa afetividade por seus amigos, quando ele não ajuda outros homens porque são homens, e não mulheres, quando ele expõe mulheres com as quais se relacionou –ou não- para difamá-las ou para amaciar seu ego, ele está sendo machista. Ele não foi ensinado a ter responsabilidade emocional e a sociedade inteira é culpada. Ele é culpado. Ele está sendo machista e sua masculinidade é tóxica. Homens são tolhidos de viverem seus sentimentos porque não querem ter seu comportamento associado às mulheres. Por isso, eles reproduzem o machismo. É por causa disso que a cada duas horas, uma mulher morre intoxicada pelo machismo no Brasil; 37,1% das mulheres brasileiras já foram intoxicadas por uma masculinidade que assedia e 1,6 milhão de mulheres sofreram intoxicação por uma masculinidade que espanca, segundo dados do IBGE e do levantamento Datafolha realizado em 2019.

Como já foi explicitado nesse texto, geralmente, a única mulher que os homens que vivem a masculinidade tóxica respeitam é a própria mãe. Zeca Veloso, filho de Caetano Veloso, é dono da expressiva música “Todo homem”. Nessa canção, o refrão diz que “todo homem precisa de uma mãe”. Isso é biologicamente óbvio, já que todo e qualquer ser humano precisa de uma mulher desde a concepção até, no mínimo, o nascimento. As mães são, quase sempre, as responsáveis por transmitir afeto e ensinamentos para os filhos. A música de Zeca, mais do que isso, pode ser entendida como o fato de todo homem precisar de uma mãe porque mães sempre dizem a verdade. Homens não precisam de mulheres para cuidarem deles; eles sabem fazer isso sozinhos. Também não precisam se mulheres que lhes deem apenas atenção e afeto. Os homens precisam de mulheres para nascer e para aprenderem sobre respeito, sobre igualdade, sobre fraternidade, sobre viver. Se você é daqueles que respeitam somente sua mãe, lembre-se, homem, que antes de ser sua mãe, ela é mulher. Homem pode chorar, pode sentir, pode demonstrar que sente. Não permita que sua masculinidade te intoxique. Antes que você invalide esse texto porque foi escrito por uma mulher, lembre-se: nós somos as que mais possuem propriedade para falar sobre isso, pois é a nós que sua masculinidade intoxica.