Luciana Santos, a primeira mulher eleita vice-governadora de Pernambuco

Foto: Diego Galba (Vice-Governadoria PE)

“Nós [mulheres] temos efetivamente uma participação real na construção do nosso país. É preciso que isso se expresse na representação política.”

Luciana Santos, vice-governadora de Pernambuco

Foto: Diego Galba (Vice-Governadoria PE)

Luciana Santos iniciou sua trajetória nos anos 1990, ocupando uma cadeira da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Elegeu-se prefeita de Olinda em 2000 pelo PCdoB, partido do qual é presidenta nacional, conseguindo ser reeleita em 2004. Fez parte do governo de Pernambuco, na gestão Eduardo Campos (PSB), como secretária de Ciência e Tecnologia em 2009. E se elegeu deputada federal em 2010. Uma trajetória exitosa na política que culminou na ocupação do cargo de vice-governadora de um dos principais estados do Nordeste. Na entrevista exclusiva ao A Voz da Favela, Luciana fala dos principais desafios enquanto mulher negra na política: “Essa sub-representação reflete o conjunto de variáveis que determina uma cultura machista e que temos que caminhar no sentido de afirmar a necessidade democrática de haver mais mulheres.” Ela também aponta os caminhos para se enfrentar o autoritarismo retrógrado do governo federal e fala o que o governo de Pernambuco tem feito pelas periferias do estado.

 

A Voz da Favela: O que significa ser a primeira mulher, a ocupar o cargo de vice-governadora de Pernambuco?

Luciana Santos: É uma responsabilidade muito grande. Nós não temos, na história de Pernambuco, nenhuma mulher que tenha ocupado um cargo majoritário em nível estadual. Já houve participação de mulheres em eleições, mas que não foram eleitas. Essa sub-representação reflete o conjunto de variáveis que determina uma cultura machista e que temos que caminhar no sentido de afirmar a necessidade democrática de haver mais mulheres. Nós somos a maioria da população brasileira, mais de 40% dos chefes de família e 43% da população economicamente ativa – ou seja: nós mulheres temos efetivamente uma participação real na construção do nosso país. É preciso que isso se expresse na representação política. Portanto, o que eu sinto principalmente é a necessidade de fazer jus à expectativa, esperança e confiança que o povo depositou para que a gente afirme que o papel de mulher é onde ela quiser e que a gente faz bem!

A Voz da Favela: Sabe-se que os desafios em uma gestão pública de um estado são inúmeros. Quais as maiores dificuldades do cargo?

Luciana Santos: Eu penso que o principal problema que atravessamos hoje é macroeconômico. Estamos vivendo uma situação de recessão e estamos amargando um crescimento muito baixo para um país da dimensão e da importância do Brasil. Isso impacta nas políticas públicas e na qualidade de vida do povo. Para completar, vivemos um momento na política severo e tenebroso. Jamais imaginávamos que o Brasil pudesse passar por uma experiência de ser comandado pela extrema-direita, na figura de alguém que comete tantas atrocidades que a gente compara entre civilização e barbárie. Historicamente – e principalmente da Redemocratização para cá –, nós tivemos muitos embates entre o nosso campo e o campo mais de centro-direita, liderado pelo PSDB. Mas, ali, pelo menos eram relações civilizadas, e, agora, vivemos um contexto em que temos um governo ultraliberal na economia, que é comandado por Paulo Guedes. Ele foi formado na Escola de Chicago, responsável pela reformulação econômica no Chile durante a ditadura de Pinochet – as consequências disso são as que estamos vendo hoje.

A Voz da Favela: O que a população das favelas e periferias pode esperar do governo de Pernambuco?

Luciana Santos: Que não vamos arredar um milímetro dos serviços básicos e fundamentais de direito à Vida, Educação e Saúde. No patamar onde nos encontramos, procuramos melhorar os serviços sem cortes nos direitos fundamentais e buscamos fazer parcerias com os municípios para intervenções de estruturas urbanas. Tudo o que diz respeito a melhorar o padrão de qualidade de vida dentro dos aglomerados urbanos temos procurado fazer, inclusive política habitacional – já que o governo federal praticamente zerou os investimentos no Minha Casa, Minha Vida. Dentro das nossas possibilidades, não estamos diminuindo o ritmo das bandeiras históricas das periferias e das favelas, que é ter água, acesso melhor ao transporte, à saúde, a uma escola de qualidade.

Foto: Diego Galba (Vice-Governadoria PE)

A Voz da Favela: Como a senhora vê o crescimento de veículos independentes como o jornal A Voz da Favela, que agora conta com 150 mil exemplares em três estados, e qual a importância da comunicação comunitária para a democracia no país?

Luciana Santos: A comunicação comunitária, mais do que nunca, é uma necessidade. Ter veículos de comunicação que sejam legítimos, que forjam o debate de ideias, a liberdade de expressão, o retrato do que a vida real do nosso povo, é importante. Vocês do A Voz da Favela estão de parabéns. Não é qualquer meio de comunicação que consegue a legitimidade que vocês têm conquistado com essa quantidade de exemplares de jornais, que revelam por si só autoridade. Na luta política, precisamos ter muitas frentes, ter resistência, coragem, mas é preciso ter debates de ideias. Isso se dá por meio de uma comunicação correta e verdadeira, não essas falsas que têm um impacto negativo na vida das pessoas.

A Voz da Favela: A ação que denunciou a inconstitucionalidade da prisão em segunda instância teve o PC do B, partido do qual a senhora é presidenta nacional, como um dos autores. Isso levou a liberdade do ex-presidente Lula. O que a senhora pode falar sobre essa ação e sobre a liberdade de Lula?

Luciana Santos: Eu acho que todas as instituições do sistema político no Brasil precisam, antes de tudo, defender a Constituição. Ela é a carta maior do país, retrato de um momento muito rico no Brasil, de uma retomada da democracia, de afirmação da cidadania e dos direitos, de projeto de nação. Não à toa, ela é alvo dessas forças conservadoras de ultradireita, que querem desmontar essas conquistas. Entramos com essa ação que foi assinada por mim como presidenta do partido e de autoria do professor Celso Bandeira de Mello – um constitucionalista reconhecido no Brasil. Fomos vitoriosos e isso permitiu a liberdade de Lula (não, infelizmente, a sua inocência, mas ele pelo menos terá um julgamento justo). O que aconteceu com ele foi um arbítrio, ele era um preso político. O próprio vazamento do The Intercept demonstra a manipulação que houve para essa condenação dele. Felizmente, o Supremo Tribunal Federal fez jus à defesa da constituição, inclusive por se tratar de uma cláusula pétrea, que nem uma emenda constitucional pode mudar. A presunção da inocência e o direito de você se defender são pressupostos de alto nível que nós demos nos marcos legais no Brasil e nós não podemos aceitar que isso retroceda.

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Paulo de Almeida Filho
Jornalista, Especialista em Comunicação Comunitária, Mestre em Gestão da Educação, Tecnologias e Redes Sociais - UNEB - Universidade do Estado da Bahia. Editor da Agência de Notícias das Favelas. Pesquisador do CRDH- Centro de Referência e Desenvolvimento em Humanidades - UNEB - Universidade do Estado da Bahia. Professor de Pós Graduação, em Comunicação e Diversidade, na Escola Baiana de Comunicação. Assessor da REDE MIDICOM- Rede das Mídias Comunitárias de Salvador. Membro do Grupo de Pesquisa TIPEMSE - Tecnologias, Inovação Pedagógicas e Mobilização Social pela Educação. Articulado Comunitário do Coletivo de Comunicação Bairro da Paz News. Membro da Frente Baiana pela Democratização da Comunicação. Integrante do Fórum de Saúde das Periferias da Bahia. Membro da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito- Núcleo Bahia. Integrante da Rede de Proteção de Jornalistas e Comunicadores Coordenador Social do Conselho de Moradores do Bairro da Paz, EduComunicador e Consultor em Mídias Periféricas.