Livro de contos sobre violência e racismo será lançado em Salvador

Nelson Maca, é fundador do Coletivo Blackitude: Vozes Negras da Bahia- Foto: Léo Ornelas

Será lançado nesta quinta-feira,10, o livro Relatos da Guerra Preta ou Bahia Baixa Estação, do escritor baiano Nelson Gonçalves, popularmente conhecido como Nelson Maca, 55. O lançamento será pelo Selo Blackitude, no Tabuleiro Bélico, Terreiro de Jesus, Pelourinho, em Salvador, das 10h às 17h.

O livro apresenta 19 contos que retratam desde a morte violenta às humilhações nas batidas policiais; a busca por uma internação num hospital, por um enterro digno ou pela reintegração social. Estas e outras tensões do cotidiano do vivido pela população negra de Salvador.

O conjunto de textos dialoga com a realidade geográfica e simbólica da Bahia Preta, como o autor define o universo em que seus personagens transitam. Relatos da Guerra Preta funda-se na ideia central de como o preconceito, a discriminação e o racismo se perpetuam como elementos estruturantes da nossa sociedade.

As histórias são inspiradas em relatos ouvidos e presenciados pelo autor em suas incursões pela cidade. Textos como Passagem do Meio, Farinha do Desprezo, Carterada, Saidêra e Tá na UTI Graças a Deus que, de diferentes maneiras, retratam a luta pela sobrevivência da população negra como um ato bélico numa experiência de cidadania desde sempre inconclusa.

O livro é dividido em oito partes, cada uma explorando um conceito do universo bélico- Crédito: Selo Blackitude

Conceitos élicos: Correspondente, Trincheira, Batalha, Recuo, Retaguarda, Confronto, Baixas e Trégua.

Relatos da Guerra Preta ou Bahia Baixa Estação estampa em sua capa a tela Espanto, da pintora Ayeola Moore, de Guadalupe. A arte da capa é do designer Welon Santos e a diagramação e arte geral de Francisco Benevides e Andrew César. O livro é a terceira publicação do autor e do selo Blackitude.

Segundo Nelson Maca, a realidade do soteropolitano serve como metonímia da estrutura sócio-racial forjada no Brasil colonial e que se mantém até hoje. Relatos da Guerra Preta faz um panorama objetivo da herança de violência, miséria e rejeição recebida pela comunidade negra.

“Procuro me inserir no debate literário em torno da negritude cotidiana, principalmente na luta do povo negro pela sobrevivência em pleno século XXI. Essa batalha cotidiana para se manter vivo é o que chamo de Guerra Preta”, afirma Maca.

Com esses fios históricos, Maca traça sua teia de conflitos calcada no que o escritor Marcelino Freire, que assina o texto de apresentação do livro, interpreta como escrevivência, ao aproximá-lo da escrita de Conceição Evaristo. O texto da orelha é do escritor mexicano Alejandro Reyes e o posfácio da professora baiana Ana Carla Portela.

Um dos mecanismos que ele utiliza para isso é figurar como narrador e também personagem de alguns contos. “O que busco é um híbrido, até porque todos os argumentos e assuntos do livro partem de experiências que tive ou que me foram relatadas. Logicamente, há muito espaço para a fabulação, mas uma das estratégias narrativas do livro é o aproveitamento de biografias”, explica Maca.

Segundo o autor, a intenção é generalizar o conceito de guerra, mostrando a luta, por todos os meios possíveis e necessários, para se manter vivo e ter alguma qualidade de vida. E não julgar ou condenar comportamentos e atitudes dos personagens –  narrados a partir da ética própria do universo em que circulam no mundo e no texto. “Outro objetivo é a busca de uma prosódia específica, porém, se possível, não estereotipada em excesso”, completa Maca.

Nelson Maca

Natural do Paraná, Nelson Maca, é poeta, militante dentro do movimento negro e professor de Literatura. Mudou-se para Salvador ainda na juventude. Lecionou na Universidade Católica de Salvador (UCSAL) entre 1995 a 2019. Realiza o Sarau Bem Black, o Slam Lonan e outras ações artísticas e de formação sócio-racial através das linguagens da cultura Hip Hop.

Criador e coordenador do evento infantil Sarau Bem Legal, que acontecia na Biblioteca Infantil Monteiro Lobato. Há mais de 30 anos promove e participa de eventos da negritude -seminários, workshops, cursos, shows. Com o escritor Marcelino Freire, organiza a Balada Literária da Bahia, evento completou sua sexta edição em 2020.

Lançou Gramática da Ira em 2015 e Go Afrika em 2019 (ambos de poemas). Desde 2014, apresenta as performances CandomBlackesia, inaugurada no XX PERCPAN, e Tamborismo, em dupla com o Mestre percussionista Jorjão Bafafé.

Em 2018 viajou para vários estados do Brasil com a performance Na Rota da Rima, pelo projeto Arte da Palavra, do SESC.

Em julho de 2019, participou do Festival Internacional de Poesia e Artes Performativas de Moçambique, na cidade de Maputo.

O escritor é adepto do conceito e estudioso da Literatura Negra- Crédito: Leo Ornelas

Nelson Maca constrói a negritude em seus textos: na temática, no vocabulário, na sintaxe e no ritmo. “Interessa-me profundamente como se dá e até aonde vai o convívio entre ética e estética na poética da negritude, no estilo e na percepção de mundo”, relata Maca.

Quem não estiver no lançamento, pode adquirir o livro através dos seguintes contatos: Ana Cristina Pereira (71-9.9176.5755), Nelson Maca (71-3326.4620 e 9.8627.3416) e Lúcia Santos (71-9.9210.1487)

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Valdeck Almeida de Jesus
Valdeck Almeida de Jesus é jornalista definido após várias tentativas em outros cursos, atua como free lancer, reconhecendo-se como tal há bastante tempo. Natural de Jequié-BA (1966), e escreve poesia desde os 12, sendo este o encontro com o mundo sem regras. Sua escrita tem como temática principal a denúncia: política, de gênero, de raça, de condição social, de preconceitos diversos: machismo, homofobia, racismo, misoginia. Coordena o movimento “Galinha pulando”, o qual pode ser visto no blog, no site e nas publicações impressas. Este movimento promove anualmente um concurso literário, aberto a escritores(as) do Brasil e do exterior. A poesia lhe trouxe o encantamento, mundos paralelos, as trocas, a autocrítica, a projeção de si e de outro(s), maior consciência de classe e de coletivo. Espera que as sementes plantadas se tornem árvores, florescendo e frutificando em solos assaz diversos. Possui 23 livros autorais e participa de 152 antologias. Tem textos publicados em espanhol, italiano, inglês, alemão, holandês e francês. Participa de vários coletivos da periferia de várias cidades, bem como de algumas academias culturais e literárias.