Histórias do Brasil

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Habituados a escrever a história como bem entendem para satisfazer sua vaidade e salvar as aparências, os militares brasileiros inventam com tal naturalidade que chegam mesmo a acreditar no que dizem em público com a cara mais limpa do mundo. O general Mourão, por exemplo, para defender o filhote no caso do salário triplicado no Banco do Brasil, revelou que ele foi “duramente perseguido” durante os governos petistas. A versão não resistiu nem 24 horas, o blog “A Protagonista”, de Curitiba, pesquisou a ficha funcional do rapaz e constatou que ele foi promovido oito vezes entre 2003, primeiro ano de Lula, e 2016, último ano de Dilma.

Por que os militares fazem isso? Jair Bolsonaro disse que o motorista lhe devia dinheiro e pagou com um depósito na conta de sua mulher. Ora, mas até as pedras portuguesas do calçadão de Copacabana estão fartas de saber que deputados do chamado “baixo clero”, aqueles que não têm nenhum poder em Brasília, usam a verba de gabinete na contratação de funcionários fantasmas, nomeados apenas para repassar o grosso do salário para o próprio parlamentar, todo mês. No caso da família Bolsonaro esta operação era centralizada no Queiroz, o motorista. Por isto, toda a sua parentela foi nomeada para gabinetes bolsonaristas. Simples assim. Pra que inventar uma história da carochinha? A impressão que dá é que os milicos ficam comentando entre si: “Essa do empréstimo foi forte, será que passa?“, “O Mourão pegou pesado com a dura perseguição ao menino. Afinal, iam perseguir ele porque o pai é general?”, “Essa mulher de Angra, a Val do açaí, trabalha mesmo pro Bolsonaro? Tá na cara que ela é mais uma laranja do pomar da família!”

Esse viés mentiroso, falso, essa cara de pau sem tamanho vem de longe. Muito antes de Sérgio Cabral superfaturar o Maracanã para a Copa da Vergonha, o general Mendes de Morais, que era prefeito do Rio durante a construção do estádio, no final dos anos 1940, entrou na alça de mira da imprensa porque se mudou para um casarão na Zona Sul cujo valor era muitas e muitas vezes o que ele poderia pagar, como general e prefeito da capital da república. Consta que numa coletiva rotineira, os repórteres o pressionaram: “Onde foi que o senhor arrumou dinheiro pra comprar esse casarão?” Sabe o que ele respondeu? “Ganhei no bicho”. Devia ter uma foto oficial do Mendes de Morais em cada gabinete no país, não é mesmo?

É por essa mania de inventar os fatos e escrever a história que Bolsonaro e Mourão transformam em herói o coronel Brilhante Ustra, provado e comprovado como monstro fardado, reescrito de maneira a que as forças armadas não fiquem mal na história. Não pega bem ter torturador e assassino queimando a fita do brioso exército, mas a verdade dura, crua, é que a ditadura prendeu, torturou, matou e fez desaparecer muitos brasileiros a partir de 1964. E nós vemos hoje que esta distorção histórica das nossas fardas não acabou: as mortes nas favelas, as execuções no campo de lideranças indígenas, camponesas e missionárias religiosas, o caso Marielle Franco, tudo acontece para confirmar nossa triste sina de país que se recusa a crescer e amadurecer.

Os militares se consideram melhores e mais bem preparados do que os civis e dizem isso velada ou abertamente. Pensam que têm mais estudo do que os civis, mas não percebem que esse estudo é invenção para consumo interno. O general Augusto Heleno disse a GloboNews dias atrás que não pode mais falar em tribo de índio porque é politicamente incorreto. Foi corrigido num texto de Amanda Cury, do Mato Grosso do Sul, na internet: a antropologia chegou à conclusão de que tribo não reflete o conceito de etnia. “Uma mudança acadêmica, general, não política”. O comandante da Marinha, almirante Ilques Barbosa Júnior, falou na posse que o Brasil lutou com os Estados Unidos nas três guerras mundiais. Disse na frente de autoridades brasileiras e estrangeiras e convidados em geral, inclusive Bolsonaro e Mourão. TRÊS GUERRAS MUNDIAIS! Pra você ter uma ideia, querido leitor, das emoções que estamos perdendo na história que os milicos escrevem…

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Luiz Augusto Gollo
Editor, escritor e redator. Cinco décadas escrevendo para jornal, revista, televisão, vídeo, deputado, senador, ministros e até mulher de governador. Também para agências de publicidade, roteiros vários, campanhas políticas próximas e remotas...sem falar em ficção para televisão e livros e outras publicações. Ah, tem também a apresentação de programas de rádio e televisão, em Brasília e no Rio de Janeiro, de transmissão local ou nacional, de pouca ou muita audiência, sempre rompendo limites políticos, estéticos, morais e outros.