Histórias cruzadas vistas pela janela

Crédito: Histórias cruzadas | The Help Movie

Vocês já assistiram Histórias Cruzadas?  

Um filme que retrata a história de empregadas domésticas (negras) bem nos anos 60, no Mississipi, região Sudeste dos EUA.

A história é contata por Skeeter, uma garota branca que foi criada pela empregada negra da casa onde passou sua vida. Determinada a se tornar escritora e usando seus privilégios para dar voz à história de mulheres negras, encontra Aibileen Clark, uma mulher entre todas as empregadas domésticas que decide correr o risco de contar exatamente o que se passa dentro das casas onde trabalhavam.

Filme Histórias Cruzadas | The Help
Filme Histórias Cruzadas | The Help

Aibileen Clark não tem muita coisa a perder, a não ser o emprego que já não é a coisa mais importante da sua vida. Afinal, ela já havia perdido tudo.

Mas o texto de hoje vem para o ano que estamos, 2018. Você já entrou em um apartamento antigo com dependência de empregada?

A primeira vez que entrei nesse espaço 1×1, me questionei quantas vezes minha mãe teve que, por obrigação, vivenciar essa realidade para que eu pudesse ter outras oportunidades.

Lembrei, certa vez, quando ela chegou em casa e me contou como foi ao acabar a faxina e não ter o direito de tomar banho, uma vez que a patroa não a deixou usar o banheiro principal do apartamento. Mesmo após horas de trânsito que ligavam a Baixada Fluminense à Zona Sul. Mesmo após horas seguidas de trabalho pesado. Mesmo após ter, ela mesma, lavado o enorme banheiro principal.

As mulheres negras de Histórias Cruzadas, precisavam aceitar a única oportunidade que tinham em mãos para contar suas realidades, para transformar outras realidades. Uma outra mulher, que não vivia essa realidade, entendeu seu lugar, compreendeu seu poder e usou seus mecanismos para que essa voz acontecesse. Da parte dela, foi preciso coragem para refletir, entender e agir.

Esses dias olhei na janela do apartamento onde eu estava e, do outro lado, vi uma empregada pendurada, limpando os vidros da janela, sem proteção. Quantas vezes o esforço para manter o emprego é maior do que a consciência de que está colocando a própria vida em questão?

Alguns dias depois, abri o Instagram e contavam uma história que se repetia.


Lembrei da minha mãe, que inclusive quase não parava nos empregos, justamente por não aceitar esse tipo de comportamento. Me lembro de quantas outras circunstâncias ela vivenciou para que eu tivesse o direito à educação, à escrita, para que eu acreditasse que poderia escrever esse texto aqui, por exemplo.

Os trabalhadores domésticos são uma das classes de trabalho que mais sofrem com condições precárias e salários baixos. Embora o número de pessoas com carteira assinada tenha aumentado de 17,8% em 1995 para 30,4% em 2015, segundo o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Em dezembro de 2017 o salário ainda era de R$ 852, menos que um salário mínimo.

Mas as lutas já trazem um efeito positivo, de acordo com o IPEA, onde nos aponta que  há cada vez menos jovens no emprego doméstico.

Enquanto em 1995, 51,5% das mulheres com até 29 anos buscavam trabalhos nesta área, em 2015 esta proporção era de 16%.

A universalização do ensino básico nos anos 90, as oportunidades com a luta pela democratização do ensino superior (mesmo que nossas universidades públicas ainda estejam um caos), as políticas de cotas raciais e sociais e os anos de esforço dos que vieram antes de nós, tornaram essa jornada mais saudável e possível.

Quando levantamos questões à respeito de qual lugar a minoria ocupa, seguimos uma linha de raciocínio de quem pode mais. Nosso papel é levar a informação e oportunidades para que nossa vida não se resuma à limpar janelas no décimo andar de um prédio, sem segurança. Que podemos, inclusive, mesmo nesses espaços, sermos liderança, criar novas medidas de trabalho, novas leis, novas histórias além da subalternidade.

Histórias Cruzadas se passa nos anos 60, mas visivelmente muito do que ali se relata ainda acontece hoje, em 2018, bem diante dos nossos olhos, sem qualquer tipo de camuflagem.

Pensando nisso, a Preta Rara, mantém o propósito de resgate dessas identidades, dessas mulheres que podem estar onde elas quiserem, mas precisam saber que podem estar em mais lugares do que imaginam. E que esses lugares podem ser até mais altos, mas que suas histórias construídas, podem e devem ser extraordinárias.

Conheça mais sobre a Preta Rara e o Eu Doméstica.