Gestantes paulistanas dão bom testemunho sobre o SUS na gravidez

Gestantes negras no atendimento às gestante - Arquivo TN

A pandemia tem afetado profundamente o atendimento do SUS às gestantes em São Paulo, mas elas são privilegiadas com cuidado redobrado para que não percam os exames de rotina na gravidez. Na cidade de São Paulo, segundo Adriana Garcia Santana, interlocutora de saúde da mulher na coordenadoria sudeste, “todos os cuidados de higiene são reforçados, evitando o contatos e aglomerações. Uma das estratégias é o monitoramento e a reconvocação das gestantes e puérperas faltosas”.

Unidade Básica de Saúde que atende a favela do Vila Clara –
Foto: Jacqueline Silva

Na favela do Vila Clara, na Cidade Ademar, periferia da zona sul, Hildete da Silva Cabral Monteiro, 34 anos, Marcela Ferreira da Silva, 25 anos, e Cari Ramone Queiróz, 28 anos, usam com frequência a Unidade Básica de Saúde da região para seus exames. Hildete, grávida de 39 semanas, diz que desde o início da pandemia não teve dificuldades no posto de saúde e fez todas as consultas agendadas. “Na consulta é aferida a pressão, verificados exames e a altura da barriga. As ultrassonografias eu não faço pelo SUS e no pré-natal não vi mudanças de antes da pandemia para agora”, disse.

Marcela, que é confeiteira e está grávida de 35 semanas, não tem dificuldades no pré-natal e para realizar consultas e exames, mesmo quando em outros locais mais distantes de sua casa: “Para a gente, que é gestante, o posto não mudou, continuamos sendo a prioridade deles. Não sinto que fiquei desassistida, eles atendem, marcam a consulta e quando o médico falta, eles avisam antes”, afirmou.

Cari é cuidadora de crianças, está na terceira gestação e apesar de não sentir diferença do pré-natal da segunda gestação para esta, acompanhadas no mesmo local, acredita que houve uma mudança no tempo de consulta. “No início da pandemia, houve uma demora para eu ser chamada nos atendimentos, mas consegui fazer todos os exames necessários. Agora as consultas são mais rápidas e os horários marcados. Não tem muitas pessoas para não ficar aglomerando”, diz.

Hildete indo a mais um dia de exames – Foto: Jacqueline Silva

Marcela e Hildete confirmam o cuidado especial com as gestantes no posto de sua referência. Elas lembram que há uma entrada diferente para as consultas e outra para a testagem de Covid-19. Hildete diz ainda que a separação não acontecia nos outros serviços de saúde por onde passou durante a gestação, somente na UBS. Cari, apesar dos dois acessos diferentes, não percebe diferença no fluxo de pessoas quando frequenta a UBS.

Segundo Adriana, tanto nos hospitais como nas unidades básicas são realizados protocolos de limpeza, higienização dos equipamentos fixos e de proteção individual para os profissionais de saúde, assim como a organização dos fluxos de forma a reduzir riscos de contaminação.

“Caso a gestante apresente sintoma de gripe, as consultas e exames de rotina são adiados em duas semanas e, quando necessário, feitas em locais isolados dos outros pacientes, sempre com máscaras e medidas de segurança”, completou a interlocutora de saúde da mulher.

Número de mortes por Covid-19 em gestantes cresce

Em julho deste ano, estudo publicado no “International Journal of Gynecology & Obstretrics” liderado por pesquisadores brasileiros mostrou que o número de casos de óbitos em gestantes no Brasil por Covid-19 supera o número total de mortes maternas relatadas no mundo pelo mesmo motivo. O artigo intitulado como “A tragédia do Covid-19 no Brasil” contabilizava até o momento de sua publicação 124 mortes maternas e apontou que a gravidez e o período pós-parto podem apresentar riscos adicionais para a saúde da mãe e do bebê. Recentemente, este número subiu para 135 mortes, segundo dados da Secretaria de Vigilância em Saúde, divulgados em 1º de setembro, no Manual de Recomendações para Gestantes e Puérperas frente à Pandemia de Covid-19, do Ministério da Saúde.

Logo após o início da quarentena, o Ministério da Saúde divulgou notas específicas referentes ao manejo das mulheres na gestação, no pós-parto e na amamentação. As gestantes passaram a ser caracterizadas como de possível risco para complicações da doença. O fato de essas mulheres serem consideradas grupo de risco gera temor entre as elas. Entre Hildete, Marcela e Cari foi unânime que o maior temor é o risco de contaminação durante a gravidez e no pós-parto.

A gestante Marcela Ferreira da Silva – Foto: Jacqueline Silva

“A mulher fica mais vulnerável e a imunidade mais baixa é agravante”, comenta Hildete, preocupada com a amamentação e o contato com pessoas na maternidade. “Eu tenho bastante medo de a gente se contaminar, principalmente eu que estou gestante e isso afetar na saúde do meu bebê, de precisar ficar internada e dos meus filhos que precisam de mim. A gente vê tanta coisa na TV que assusta, principalmente grávidas perdendo a vida ou o bebê não que resiste”, diz Marcela.

Adriana, por sua vez, pensa que as gestantes são consideradas grupo de risco por causa das mudanças fisiológicas no período gravídico, como aumento do volume abdominal, diminuição da capacidade respiratória e, muitas vezes, a imunidade diminuída que apresenta maior risco de trombose. “Houve uma redução na adesão ao pré-natal, devido ao receio de contaminação, porém a estratégia de monitoramento das gestantes faltosas e a reconvocação conseguiu garantir o atendimento da maior parte das gestantes”, relata.

Cari aferindo a glicose com aparelho cedido pelo posto – Foto: Jacqueline Silva

Das gestantes entrevistadas, Cari apresenta um outro fator de risco, o diabetes gestacional, diagnosticado no terceiro mês da gravidez. Desde então, ela faz o acompanhamento em um serviço de alto risco. Recebeu do posto um aparelho para medir em casa a glicemia e levar o controle às consultas de alto risco. “Prefiro fazer as aferições em casa, para não ter que me expôr no posto de saúde”, conta.

Adriana afirma que para pacientes com patologias ou comorbidades dispõem de atendimento compartilhado entre a unidade de saúde e o pré-natal de alto risco. “Na região do Vila Clara temos dois ambulatórios de alto risco, um dentro de um hospital chamado Santa Catarina e uma UBS chamada Geraldo”, explica. Apesar dos temores, as gestantes relatam que não conhecem nenhuma gestante da região com caso de Covid-19, ou que tenha morrido por complicações da doença.

Segundo o estudo da revista “International Journal of Gynecology & Obstretrics”, no Brasil não existe ainda política universal de testagem para a população obstétrica. “Visto que apenas mulheres que apresentam sintomas graves são testadas, é certo que o número de infecções por Covid-19 nesta população é subnotificado”, descreve o artigo.

Outra pesquisa “Impacto desproporcional do COVID-19 entre mulheres negras grávidas e puérperas no Brasil através da lente do racismo estrutural”, publicada pela revista Clinical Infectious Diseases, revelou desigualdade no número de óbitos entre gestantes e puérperas brancas (8,9%) e negras (17%). Na amostra utilizada para realização do estudo não foi encontrada diferença clínica entre brancas e negras que justificassem evoluções distintas nos quadros clínicos.

Mas as últimas foram hospitalizadas em piores condições e tiveram maior admissão nas Unidades de Terapia Intensiva, levando a crer que as mulheres negras foram mais afetadas pelo Covid-19 devido a processos originados fora do hospital. Essa pesquisa foi comparada a estudos já realizados nos Estados Unidos que mostram a mesma realidade. Em todas, os determinantes para óbito foram a origem social e afirmavam que ações devem ser feitas abordando políticas de proteção e fortalecimento da atenção primária à saúde.

“A situação das moradias nas comunidades dificulta o isolamento social, mas as orientações de cuidado e prevenção são as mesmas para qualquer cidadão: distanciamento social, lavar as mãos com frequência e usar máscaras quando precisar sair de casa. A rede de saúde oferece informações e ações educativas na própria comunidade e não poupa esforços para atender as vulnerabilidades que a população enfrenta”, destaca Adriana.

Todas as gestantes entrevistadas falam da dificuldade para manter o isolamento social na favela e garantem tomar as precauções necessárias para evitar contaminação: higienização dos locais, uso de máscara, álcool gel, sair somente quando necessário e até evitar receber visitas. No entanto, apontam que se algum familiar ou próximo se contraminar, não terão como manter o isolamento.

Favela do Vila Clara, região sudeste do município de São Paulo – Foto: Jacqueline Silva

“Acredito que na comunidade é mais difícil de fazer o isolamento social, pois, apesar das recomendações de não manter aglomerações, aos finais de semana tem pancadões nos arredores e na frente da própria UBS, que incomodam. Se precisasse fazer isolamento caso alguém da minha família tivesse Covid, teria que hospedar com algum parente para manter o distanciamento em casa”, comenta Cari, que mora em dois cômodos com marido e dois filhos.

Hildete, que também mora em dois cômodos, teve casos confirmados de Covid-19 em frente de casa. Mas afirma que as pessoas se aglomeram, não usam máscaras, vivem muito próximas umas das outras e que seria complicado fazer isolamento dentro de sua casa. “No caso, com todos  no mesmo ambiente, não teria como fazer essa repartição”, diz.

Para Marcela,o único entretenimento da favela para os jovens é o “pancadão”. Ela reconhece que em tempos de pandemia é mais difícil o acesso à cultura, mas se queixa de que os jovens de sua favela não estão se importando em propagar o vírus. “Moro com meus sogros idosos, meu marido e meus dois filhos pequenos. Se precisasse fazer isolamento não sei para onde iria”. Marcela fala que as pessoas precisam ter mais consciência e pensar nos mais vulneráveis nessa pandemia. “Isso não é uma questão de morar na favela, porque tem pessoas que estão cumprindo direitinho o isolamento. É preciso se conscientizar de que podemos estar pondo em risco o próximo”, completou.

Esta matéria foi produzida com apoio do Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative.