Família Trump: da negligência emocional ao racismo

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No início deste ano, Mary Trump, sobrinha de Donald Trump, publicou um livro onde conta tudo sobre sua família. Mary é psicóloga e, foi capaz de ilustrar claramente a dinâmica de sua família. No capítulo nove, ela escreve sobre uma conversa que teve com sua avó Gam, como a família a chamava. “Ele nunca me ouviu. E seu avô não se importou. Donald escapou de um assassinato”, disse Gam.

Quando se é criado em uma família como a de Donald Trump, não há chance de sair ileso da infância. Para as crianças Trump, a negligência emocional era tanta que todas tiveram muita dificuldade em encontrar sua independência.

O amor de seu pai era a única coisa que os filhos Trump realmente queriam e a única coisa que eles nunca poderiam realmente ter. Fred Trump era um homem frio e calculista. Ele praticamente ignorou seus filhos, pois não tinha ideia de como falar com eles confortavelmente. Mary fala em seu livro que ele não tinha interesse em estar perto de crianças, mesmo as suas.

Donald assumiu o papel de “assassino” na tentativa de obter a aprovação de seu pai. De uma forma distorcida, ele fez. Fred Trump aparentemente aceitou seu filho como um peão em seu jogo para obter uma fortuna maior e expandir sua empresa de gestão em Manhattan, um bairro que ele nunca foi capaz de entrar sozinho.

A personalidade extravagante que Donald desenvolveu como resultado da negligência emocional da infância acabou sendo a razão pela qual ele foi capaz de obter uma posição tão poderosa sem nenhuma experiência. Suas mentiras serviram apenas para promover sua agenda, não importa qual ela seja no momento. Ao saber que Trump perdeu a eleição, podemos dar um passo para trás e começar a entender os últimos quatro anos.

Capa do livro ‘Demais e Nunca o Suficiente: Como Minha Família Criou o Homem Mais Perigoso do Mundo’ e sua autora, Mary Trump – Foto: Simon & Schuster/Peter Serling/Simon & Schuster via AP

Não podemos nos iludir pensando que Donald Trump é apenas uma pessoa exagerada que concorreu à presidência dos Estados Unidos em 2016, e venceu. Em um sentido mais amplo, Trump serve de lição para o mundo. Como foi dito com tanta beleza pelo professor de estudos afro-americanos, Eddie Glaude, em uma entrevista à rede de televisão Microsoft e National Brodcasting Company (MSNBC): “Trump é uma manifestação da feiura que está dentro de nós”.

Não é por acaso que um homem tão aparentemente racista, machista e incompetente foi capaz de ascender ao cargo mais poderoso dos Estados Unidos sem nenhuma experiência. A cultura geral dos Estados Unidos sempre foi baseada no individualismo e no poder. É ensinado a nós desde pequenos, que devemos nos esforçar para ter sucesso na vida, especialmente materialmente, e, que qualquer pessoa pode alcançar o “sonho americano” por meio de trabalho duro e dedicação.

Infelizmente, o que ninguém que viveu fora desta bolha pode realmente entender é que a brancura é a medida mais importante para saber se você terá ou não sucesso neste país. Isso não quer dizer que os brancos não lutem. Nada na vida é absoluto, especialmente quando se trata de questões raciais. A questão é que a cor da sua pele nunca o deterá neste país, pelo menos não da maneira como as coisas têm funcionado desde que a Declaração da Independência foi assinada em 1776.

Para entender completamente como Donald Trump venceu a eleição em 2016, deve-se olhar para a história deste país. Uma ótima fonte para começar são os documentários: A 13ª Emenda e Olhos que Condenam. Ambos são grandes obras de arte que demonstram a realidade da vida de tantos norte-americanos.

Embora existam fatos importantes que foram convenientemente deixados de fora para caber em uma narrativa política do 13ª Emenda, o documentário é uma peça informativa que permitirá que os “alunos” iniciantes compreendam a história básica do racismo nos Estados Unidos.

A supremacia branca é uma sombra escura que paira sobre nossa sociedade. Ele tomou conta de quase todas as partes e é difícil entender o quão enraizado está em nossas leis, políticas e estilo de vida até que você viva aqui e experimente a vida como uma pessoa não branca. 

O Estados Unidos não está sozinho nessa luta contra o racismo. Se alguma outra nação deveria entender o atual ponto das questões raciais que ocorrem nos Estados Unidos, deveria ser o Brasil. Ambas as nações têm uma história sombria de colonização e escravidão. As questões criadas naquela época ainda estão sendo usadas contra cidadãos marginalizados pela sociedade. Enquanto Trump, felizmente, está fora de uma posição de poder, seu aliado brasileiro ainda está no cargo.

Foto: Mark Wilson/Getty Images

Jair Bolsonaro deve servir como um símbolo para os brasileiros que conhecem a história de sua nação. Precisamos entender de onde viemos e as pessoas que somos, antes de começarmos a fazer uma diferença positiva na vida. Bolsonaro e Trump foram eleitos por pessoas que vivem com medo e optam pela divisão. Em dois anos, nós, brasileiros, poderemos votar em um candidato que apresenta as qualidades que devemos buscar em um líder: empatia, humildade e aceitação.

Embora os bloqueios intermitentes provavelmente sejam nossa nova forma de vida, há muitas maneiras de nos engajarmos no processo político. Votar, mesmo sendo de extrema importância, não é a única opção para mudar completamente um sistema desatualizado. Portanto, use a mídia social para se engajar ou comece a conversar com amigos e membros da comunidade sobre o que todos vocês podem fazer para participar do processo.

Como mulher de cor e membro da comunidade LGBTQ+, sei que tenho o privilégio de usar minha voz no processo eleitoral tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. As primeiras palavras da Constituição dos Estados Unidos são: “Nós, o povo dos Estados Unidos”.

Embora este país seja mais dividido do que a maioria das pessoas imaginam, essas palavras ainda devem ser usadas como fonte de inspiração para qualquer ser humano que acredita na unidade.

Milhões de jovens eleitores trabalharam para garantir que a era da administração Trump terminasse após quatro anos tumultuados. O mesmo pode ser feito pelo Brasil, desde que as pessoas comecem a usar suas vozes para falar sobre o que realmente importa.

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