Faça A Coisa Certa: como um filme de 1989 é tão atual em 2020?

Crédito: Reprodução

Seria muito clichê começar esse texto com o jargão “a vida imita a arte”, principalmente quando estamos falando de arte que tem como foco fazer uma denúncia para que a vida não precise imitá-la.

No entanto, o que vimos nos últimos dias foi uma sequência de fatos já escrita por Spike Lee no longínquo ano de 1989, em seu filme de maior prestígio; Faça a Coisa Certa. Um negro é morto asfixiado, a população se revolta e queima um estabelecimento…vale a ressalva de que eu ainda estou falando do filme, qualquer coincidência com a vida real é mera calamidade.

Faça A Coisa Certa fez renascer um cinema afro que havia perdido força depois da sua explosão em 70 com o Blaxploitation. O sucesso de crítica e público fez uma maioria branca de Hollywood engolir o que eles inicialmente intitularam de “violento demais” e aceitar que a história dos negros norte americanos era contada com muita violência, pois era isso que eles viviam cotidianamente.

Do The right thing. Radio raheem's death - YouTube
crédito: Reprodução. Personagem Radio Raheem sendo enforcado por policiais brancos. Cena do filme Faça A Coisa Certa (1989) de Spike Lee

 

 

 

 

 

Quero detalhar melhor a cena que citei inicialmente: O personagem de Bill Nunn, Radio Raheem, se envolve em um briga com o dono da pizzaria local e é contido por policiais brancos. Esses policiais usam uma força desproporcional para afastá-lo, mesmo estando em maioria, eram três contra um, e portando armas brancas (curioso o termo arma branca se referir a armas com menor letalidade, né?).

Sem nenhuma necessidade, eles enforcam o homem já distante da confusão e cercado, ele ainda apresentava sinais de raiva, mas nada que policiais treinados, como é o esperado, pudessem conter. Radio Raheem é brutalmente morto por asfixia e isso gera uma revolta na população que culmina em negros colocando fogo na pizzaria do pivô de toda aquela balbúrdia.

Quantos negros precisarão ser asfixiados para que alguma providência seja tomada? Já não basta calar as nossas vozes, parece que agora até o direito de respirar é algo incomodo. Quantos filmes denúncia precisarão ser feitos para que algo concreto seja feito? Desculpa esse texto não conseguir te fazer sorrir, na verdade, vou aproveitar esse caos exposto e te propor uma reflexão: vá até a parte de imagem do Google e escreva “branco enforcado” e depois escreva “negro enforcado”, acho que a disparidade das imagens mostram como o mundo precisa de vários “Faça A Coisa Certa” para poder acordar.

Milhares vão às ruas após assassinato filmado de George Floyd
Crédito: Reprodução. Derek Chauvin asfixiando covardemente George Floyd. Cena da vida real.

Já na vida real, George Floyd foi acusado de tentar pagar uma compra com um cédula falsa de US$20,00. A polícia foi chamada e Floyd estava sendo levado para a viatura sem mostrar qualquer tipo de reação violenta contra a prisão. Deduzo eu que, temendo pelo pior, ele se jogou no chão para que policiais brancos não o levassem, por motivos óbvios.

O policial Derek Chauvin pressionou o pescoço de Floyd, algemado e deitado no chão, com o joelho, método utilizado pela tribo Himba para matar búfalos, e brutalmente matou Floyd por asfixia. O desfecho dessa narrativa ainda não acabou, já que os protestos contra a polícia de Minneapolis ainda estão acontecendo, tendo como ato mais simbólico o incêndio causado pelos manifestantes na delegacia local.

Vidas negras importam na arte e na vida real. Policiais racistas matam na arte e na vida real. Pessoas estão cansadas dessa rotina na arte e na vida real. E cada vez se precisa entender por que a arte não consegue ensinar a vida real?

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Anderson Shon
Graduado em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pela Faculdade da Cidade do Salvador, Anderson Shon, atualmente, é professor do Centro de Educação Ávila Góis, professor - Canto de Estudo, professor do Instituto Bom Aluno da Bahia e professor - Educandário Helita Vieira. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Anderson Mariano é escritor e professor. Lançou o livro Um Poeta Crônico no final de 2013 e, desde lá, já apareceu em coletâneas de poesia e de contos. Já ministrou oficinas em diversas feiras literárias da Bahia e é figura certa nos saraus de Salvador. É apaixonado por literatura e produz contos para abastecer o andersonshon.com. Em 2019, lançou o Outro Poeta Crônico, continuando sua jornada no mundo da literatura. Além de escritor, Anderson Shon é professor de redação e escrita criativa, sendo o professor com maior número de alunos premiados no Concurso de Escritores Escolares e, em 2018, lançou um livros de contos e poesias com os alunos do colégio estadual Conselheiro Vicente Pacheco do bairro de Dom Avelar. Anderson entende que ser professor não é uma profissão, é uma missão e que os livros são os melhores amigos que um estudante pode ter.