“Eu fico com a pureza da resposta das crianças”

Créditos: reprodução da internet.

Já dizia o grande mestre Gonzaguinha na letra da música, “O que é, o que é”.

Nesta semana, na qual as favelas do Rio de janeiro estiveram imersas num “mar sangue” e assombradas pela violência, numa guerra interminável que só gera dor e morte para a população, a ONG Redes da Maré publicou cartas de crianças direcionadas ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) pedindo menos violência nas favelas e a volta da Ação Civil Pública (ACP) que regulamentava as operações policiais no local.

Em nota, a ONG falou sobre as publicações: “essas cartas descrevem a dura realidade, o medo e a violência que atingem a população durante confrontos entre agentes da segurança pública e integrantes de dois grupos que controlam o comércio de drogas de varejo na região. A ideia de convidar as crianças moradoras para se manifestarem por meio de cartas surgiu como busca de alternativas coletivas sobre como reagir à notícia da suspensão da Ação Civil Pública – ACP, uma conquista da população da Maré e que, de fato, contribuiu para diminuição do número de homicídios na região”

Se para uma pessoa adulta, já é difícil viver e conviver com a violência, imagina para essas crianças de desenvolvimento e descobertas? O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), constituído em 13 de julho de 1990, diz que “toda criança e adolescente têm direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à família, à educação, cultura, esporte e lazer, entre outros direitos.”

Mas, como uma criança que mora dentro da favela pode ter educação se todas as vezes que tem tiroteio não pode sair de casa e as escolas nem funcionam? Como as crianças têm direito à liberdade se não podem brincar na rua? Se até indo para escola, elas têm suas mochilas revistadas? Como uma criança tem direito à saúde, se dorme e acorda ao som de tiros? Como uma criança tem direito à dignidade e respeito, se presencia, todos os dias, pessoas sendo mortas? Como uma criança tem direito à cultura, ao esporte e lazer, se o próprio Estado – que é quem deveria prover estes recursos – não o faz? Como ser criança de verdade e ter seus direitos garantidos se quem deveria prover fecha os olhos?

Mediante a repercussão das cartas, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, declarou em entrevista durante um evento em Nova Iguaçu, que as cartas foram manipuladas por traficantes e criticou as Ongs de direitos humanos: “Quando eles matam um inocente, levantam a placa com a foto do inocente, dizendo que foi a polícia quem matou. Mas quando eu digo que tem que abater quem tá de fuzil, se levantam contra. Esses que tão andando de fuzil nas comunidades que atiram nas pessoas inocentes. Porque pessoas que se dizem defensoras de direitos humanos, pseudo defensoras de direitos humanos, não querem que a polícia mate quem tá de fuzil. Porque se não mata quem tá de fuzil, quem morre são os inocentes. Então tá na sua conta, defensor dos direitos humanos, esses cadáveres desses jovens não tão no meu colo, tão no colo de vocês que não deixam que as polícias façam o trabalho que tem que ser feito”(SIC), afirmou o governador.

Após a declaração a Ong Redes da Maré respondeu:

“Nos causa muita indignação ouvir do governador que a manifestação foi articulada por instituições e moradores das favelas da Maré foi fruto de manipulação de integrantes de grupos armados. (…) Ao nos depararmos com essas falas, preconceituosas e discriminatórias, fica claro o grande abismo que temos entre uma parte da sociedade, aquela que  historicamente, ocupa espaços de poder e a grande maioria da população, que sofre os efeitos das desigualdades do nosso país. É espantoso o modo como não reconhecem a complexidade da vida nas favelas: quem são essas pessoas? O que elas desejam? Que lutas têm no seu dia a dia? É importante refletir sobre as representações que moldam pessoas e lugares a ponto de se definir as políticas públicas de acordo com o lugar onde se vive. As favelas e as periferias, não são historicamente reconhecidas como territórios de direitos como qualquer outro lugar rico da cidade. Até o sentir e a inocência das crianças das favelas é colocado em dúvida, é negado”, escreveu Redes da Maré

Até quando e quantos sangues de inocentes serão derramados?