Entrevista com André Fernandes #VamosMudarOMundo

André Fernandes, fundador e membro do conselho diretor da ANF. Imagem: Patrick Granja/ANF

Talentoso na cozinha, sua habilidade com as mãos vai além de preparar as tradicionais feijoadas para a família ANF, até criar projetos para reforçar sua missão de mudar o mundo. Determinado, é um ser humano de muita fé no divino e nas pessoas. André Fernandes é jornalista, pai de três filhos: Anna Carolina, Thauan e Kauanne e também é fundador e diretor da primeira agência de notícias das favelas do mundo. Visionário, desbravador, perfeccionista, disciplinado. Com seu espírito agregador, esse flamenguista carioca, de sorriso largo, do bem, acredita que nós somos a mudança que queremos no mundo, consegue atrair atenção quando caminha com total habilidade pelos morros do Rio, pelas ruas de Olinda ou de Recife, ou pelo bairro da Paz, em Salvador, porque, afinal, a paz no mundo começa em nós.

André Fernandes, fundador e membro do conselho diretor da ANF. Imagem: Karen Melo.

 

No alto do Morro da Providência, o multimídia Patrick Granja preparava a câmera e buscava o melhor ângulo para gravar a entrevista que faríamos com André Fernandes, fundador da Agência de Notícias das Favelas (ANF).

Para relaxar, pedi uma cerveja no tradicional Bar da Jura, localizado na estação panorâmica do teleférico, construído em 2014 e desativado dois anos depois. Impressionante como os projetos emperram, as engrenagens enferrujam e os sonhos se perdem no caminho.

Por isso, agradeço por um dia André Fernandes ter cruzado em meu caminho, eu nas redações dos jornais cariocas e ele divulgando ações comunitárias da ONG Casa da Cidadania. Agradeço porque considero essa relação um grande aprendizado, mais do que isso, uma lição de vida. Com ele não tem essa de engrenagens emperrarem e sonhos ficarem engavetados. Quando coloca algo na cabeça, esquece, vai acontecer.

O que para muitos é delírio, loucura, para André Fernandes é conquista. Se durante um desfile de Carnaval ocorrer um problema técnico em algum carro alegórico ele é capaz de empurrá-lo sozinho. Não acreditam? Procurem conhecê-lo e entenderão o crescimento avassalador da ANF. O primeiro passo para essa aproximação seria ler seu livro, lançado em 2013, “Perseguindo um sonho – A história da fundação da primeira agência de notícias de favelas do mundo”. Passei anos, muitos deles, sem encontrar André, o que só foi ocorrer quando já havia trocado as redações pela Approach, agência de comunicação e, hoje, parceira da ANF. Virei conselheiro e tudo! Saí do Globo em 2000 e a ANF foi fundada em 2001, com o heroico objetivo de democratizar a informação das favelas para o infinito e além!

E o mais bacana que a ANF não se propõe a ser a voz dos moradores, mas apenas seu instrumento. E se equipou para isso! Lançou um portal e criou o jornal A Voz da Favela, que já teve 20 mil exemplares, 50 mil e, agora, por conta de sua parceria com a Neonergia, expandiu para o Nordeste e já atingiu 150 mil exemplares.

ANF foi fundada em 2001, com o heroico objetivo de democratizar a informação das favelas para o infinito e além! E o mais bacana que a ANF não se propõe a ser a voz dos moradores, mas apenas seu instrumento.

O que atraiu a Neonergia, maior grupo privado do setor elétrico brasileiro em número de clientes, foi que empresa precisava se conectar com as classes C, D e E, divulgar, por exemplo, campanhas de conscientização de combate ao “gato” nas redes elétricas. Os diretores se encantaram com o trabalho da RACC, Rede de Agentes Comunitários de Comunicação, criada em 2016.

A RACC é uma potência: em 2017, a ANF realizou o Primeiro Encontro Latino-americano de comunicação comunitária e recentemente premiou os destaques do Rio nessa área. Mas André vai logo avisando que no próximo ano essa premiação será nacional.

A RACC recebe o apoio de várias faculdades brasileiras e vem formando muitos alunos, que sabem a forma mais eficiente dessas mensagens chegarem às comunidades. O trabalho deu tão certo que a Neonergia replicou o trabalho para a Coelba, Celpe e Cosern, suas distribuidoras no Nordeste. “Estamos com uma casa em Salvador e equipes em Recife e Natal”, conta, orgulhoso.

A RACC é uma potência: em 2017, a ANF realizou o Primeiro Encontro Latino-americano de comunicação comunitária e recentemente premiou os destaques do Rio nessa área. Mas André vai logo avisando que no próximo ano essa premiação será nacional.

Até a TV Globo reconheceu a importância desse trabalho e transformou-se em parceira. Hoje o resultado da união pode ser visto no quadro Comunidade-RJ.

O grande diferencial de André Fernandes é enxergar as favelas como potências, com vasto mercado de trabalho, vida cultural efervescente, empreendedorismo na veia, gastronomia de qualidade…“prova isso!”, sugeriu, babando, enquanto saboreava o aipim com carne seca servido por Jura, do bar. Se os noticiários reservam às favelas apenas o sangue e o preconceito, André Fernandes, em uma cartada de ousadia, lançou, em 2013, o Guia das Favelas, com informações turísticas e culturais. E de projetos realizados em projetos realizados, a ANF hoje transformou-se em um grupo, afinal, além de trabalhos na área de publicidade nas favelas brasileiras, é uma editora, realizadora de eventos, apoiadora de projetos e produtora de documentários, como “Eu só quero é ser feliz – Uma breve história do funk carioca”, dirigido por André Fernandes.

A novidade da vez é a criação de um instituto de pesquisas, o Data ANF, focado nos hábitos e consumos dos moradores das favelas, o que vem atraindo a atenção de várias empresas focadas nesse público. Outro foco importantíssimo da ANF é a educação. Em 2017, iniciou seu 1º. curso pré-vestibular voltado para moradores de favelas e sempre com professores voluntários.

Por toda essa atuação a ANF vive recebendo prêmios, como a Medalha Tiradentes e Pedro Ernesto. Prêmios são combustíveis, reconhecimento que faz André pisar mais fundo no acelerador. Mas fundo mesmo, afinal a frase estampada em sua camiseta #VamosMudarOMundo não é meramente decorativa, mas seu novo mantra, uma campanha que pretende disseminar mundo afora. Internacionalmente falando, seu livro já foi traduzido para o italiano e a ideia é criar um aplicativo para conectar todas as favelas do mundo. Recentemente rodou a Europa e deixou encantado parlamentares e empresários.

Quem segura a ANF? Em um intervalo do bate papo seu celular tocou. Era Renata Duarte, seu braço direito, fiel escudeira, parceira de todas horas. Por sinal, sua equipe Elaine Locan, Débora Rocha e Ylanna Brandão é sempre lembrada, a cada instante. Afinal, juntos, enfrentaram temporais, vendavais e tsunamis. Muitos desistiriam, mas André Fernandes foi missionário e sua religiosidade o torna indestrutível.

A ligação de Renata era por um excelente motivo:  uma grande empresa se interessou pelo alcance do jornal A Voz da Favela e bancaria toda a impressão do próximo ano. André comemorou. Teria tomado umas três geladas, mas por recomendação médica está dando um tempo.

Eu e Patrick Granja tomamos por ele. Por nós, pela ANF! Temos muito a comemorar! Vejam nesse quadro ao lado o que vem por aí.  A tarde caía e Patrick Granja guardava o material. Eu batia o papo com Dona Jura e Dionatan, colaborador da ANF.

André, apoiado no gradil da estação, do alto da Providência, admirava a cidade, que para ele jamais será partida. A recém inaugurada roda-gigante, Rio Star, girava lentamente, girava e girava. A roda não pode parar, jamais, e André, mais do que ninguém, sabe disso.

* Matéria publicada no jornal A Voz da Favela, janeiro 2019.