Deu no New York Times: Moradores de Favelas estão desafiando os grandes planos do Brasil para os Jogos Olímpicos

Mauricio Lima for The New York Times
Mauricio Lima for The New York Times

Preparando-se para os Jogos Olímpicos de 2016, que será realizada aqui, autoridades estão comemorando os planos para um “Parque Olímpico” futurista, repleto de  vilas olímpicas para os  atletas e um novo parque aquático, promovendo-o como “um novo pedaço da cidade.”

Havia apenas um problema: as 4.000 pessoas que já vivem nessa parte do Rio de Janeiro, em uma favela com décadas de existência, que a cidade quer derrubar. Recusando-se a ir passivamente e levando sua luta para os tribunais e as ruas, eles têm sido uma pedra no sapato do governo há meses.

“As autoridades acham que o progresso é demolir a nossa comunidade apenas para que possam sediar os Jogos Olímpicos por algumas semanas”, disse Cenira dos Santos, 44, dona de uma casa na favela que é conhecida como Vila Autódromo. “Mas nós mostramos a eles, resistindo.”

Para muitos brasileiros, sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 em solo brasileiro é a expressão máxima de elevação da nação no cenário mundial, e os eventos são símbolos perfeitos do seu recém-descoberto  talento  econômico e prestígio internacional.

Mas, algumas das forças que permitiram o crescimento democrático do Brasil como uma potência regional – a vigorosa expansão da sua classe média, a independência dos seus meios de informação e as expectativas de crescimento de sua população – estão infernizando os preparativos para ambos os eventos.

Nos locais dos estádios já existentes, ou onde estão sendo construídos,   trabalhadores da construção civil, ansiosos para compartilhar da riqueza que surge em torno deles, e empoderados pela  taxa de desemprego historicamente baixa da nação , estão reivindicando, de forma agressiva, aumentos salariais.

Os sindicatos já fizeram greves em pelo menos oito cidades onde estádios para o torneio de futebol estão sendo construídos ou remodelados, incluindo uma paralisação, em fevereiro, de 500 trabalhadores na cidade  de Fortaleza. Além de um movimento nacional de 25 mil trabalhadores que tem ameaçado entrar em greve.

Atrasos na construção estão alimentando problemas com a FIFA, organismo que rege o futebol mundial. O grupo do secretário-geral, Jerome Valcke, disse na semana passada que os organizadores brasileiros estão ficando para trás, acrescentando: “Você tem que empurrar a si mesmo, chutar o seu traseiro”. O ministro dos Esportes do Brasil  rebateu no fim de semana, dizendo que os comentários do Sr. Valcke eram “ofensivos”.

Enquanto isso, os moradores de algumas das favelas  que enfrentam despejos estão se reunindo, resistindo com o pé firme, em contraste com os preparativos para as Olimpíadas de 2008 em Pequim, onde as autoridades facilmente removiam centenas de milhares de famílias da cidade por conta dos Jogos.

Moradores das favelas estão usando câmeras de vídeo portáteis e mídias sociais para passar adiante suas mensagens E eles às vezes recebem  ajuda da mídia e de agências de notícias do Brasil, provocando o despeito de outros países latino-americanos.

Os meios de comunicação e blogs recém-criados não têm sua atenção voltada somente para os despejos,  eles também têm perseguido acusados de corrupção, investigando denúncias que circulam em torno dos planejamentos dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo.

“Estes eventos deveriam celebrar as realizações do Brasil, mas está ocorrendo o oposto”, disse Christopher Gaffney, professor da Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro. “Nós estamos vendo um padrão insidioso de pisar os direitos dos pobres e superfaturamento de custos que são um pesadelo”.

A cultura política do Brasil fez a sua parte contribuindo para os atrasos, com escândalos de corrupção envolvendo funcionários públicos do alto escalão dos esportes.

Mas os despejos das favelas atingiram um nervo específico nas ruas. A rede de ativistas em 12 cidades estima que cerca de 170 mil pessoas possam vir a enfrentar a desocupação antes da Copa do Mundo e as Olimpíadas. No Rio, os eles estão ocorrendo nas favelas espalhadas pela cidade, incluindo a favela Metrô, próxima ao estádio do Maracanã, na qual os moradores que se recusaram a mudar, hoje vivem em meio aos escombros das suas casas demolidas.

Os despejos estão agitando fantasmas em uma cidade com uma longa história de demolição de favelas inteiras, como nos anos 1960 e 1970 durante a ditadura militar no Brasil. Milhares de famílias foram transferidas de favelas em áreas de nobres à beira-mar para uma área distante  desse luxo, a favela retratada no filme de 2002 “Cidade de Deus.

Como o Rio se recupera de um longo declínio, alguns dos novos projetos são bem-vindos em grande parte, como um elevador para uma favela em um plano inclinado em Ipanema, ou teleféricos novos no Complexo do Alemão. As autoridades também insistem que os despejos, quando justificados, cumprem a lei, com famílias recebendo indenização e novas moradias.

“Ninguém é reassentado sem uma razão muito importante “, disse Jorge Bittar, secretário municipal de Habitação do Rio de Janeiro .
Mas alguns moradores das favelas acusam as autoridades de contribuir para aumentar as já consideráveis desigualdades. O crescimento econômico do Brasil levou a despejos em todo o país, às vezes independente dos Jogos. Em cidade após cidade, moradores de favelas muitas vezes não aprendem que suas casas podem ser demolidas até que elas são literalmente marcadas para remoção.

Em Manaus, a maior cidade da Amazônia, os moradores encontraram as sigla  B.R.T., referindo-se a um novo sistema de transporte, pintados com spray em casas a serem destruídas. Em São José dos Campos, uma cidade industrial, um despejo violento em janeiro de mais de 6.000 pessoas chamou a atenção do país,  quando as forças de segurança invadiram, chocando-se com os ocupantes armados com bastões de madeira

No Rio, muitas das pessoas que enfrentam despejo vivem nos bairros da Zona Oeste, onde ficarão a maioria das instalações olímpicas,além disso,  as  favelas persistem no meio de uma expansão que lembra o Sul da Flórida, com palmeiras, condomínios e shopping centers.

“A lei brasileira está se adaptando para a realização dos Jogos, em vez dos Jogos se adaptarem para se ajustar à lei”, disse Alex Magalhães, professor de Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Organizações formadas por moradores de favelas também estão usando a lei e as redes sociais, em um país com o segundo maior número de usuários do Twitter, depois dos Estados Unidos.

Uma das batalhas mais ferozes em relação às propriedades se dá na  Vila Autódromo, a favela destinada à destruição para abrir caminho para o Parque Olímpico.
“A Vila Autódromo não tem absolutamente nenhuma infra-estrutura”, disse Bittar, o secretário habitação do Rio de Janeiro. “As estradas são feitas de sujeira. A rede de esgoto vai direto para a lagoa, é uma área absolutamente precária “.

Muitos na Vila Autódromo veem as coisas de forma diferente. Alguns tem casas espaçosas que eles mesmos construíram. Goiabeiras com metros de sombra. Algumas calçadas têm carros estacionados, um sinal que os torna parte da classe média em expansão no Brasil.

Moradores levaram seu combate para a internet, postando vídeos de discussões acaloradas com funcionários. Eles começaram a trabalhar com os procuradores do estado para apresentar liminares destinadas a bloquear a sua remoção, apesar deterem perdido uma decisão legal fundamental nos últimos dias.

Jornalistas tem alertado, relatando que o governo municipal do Rio de Janeiro pagou a duas empresas imobiliárias mais de US $ 11 milhões  para reassentar os moradores da Vila Autódromo, sendo que essas duas empresas doaram fundos para a campanha de Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro. Paes negou qualquer irregularidade, mas cancelou imediatamente a compra de terras.
Ainda assim, as autoridades dizem que planejam remover o assentamento para dar lugar a estradas ao redor do parque olímpico, deixando os moradores lutando para elaborar novas estratégias para resistir à desocupação.

“Nós somos vítimas de um evento que não queremos”, disse Inalva Mendes Brito, professora na Vila Autódromo. “Mas talvez se o Brasil aprender a respeitar a nossa opção de ficar em nossas casas,as Olimpíadas serão algo para comemorar no final.”

notícia publicada em 03/05/2012

tradução de Maximiano Laureano da Silva

fonte:

http://www.nytimes.com/2012/03/05/world/americas/brazil-faces-obstacles-in-preparations-for-rio-olympics.html?pagewanted=1&_r=2&adxnnlx=1331029339-UfoHXBpeS/zc130E9WmlPQ

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