Crônica: O demagogo é o conto do vigário

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Muito ganho em meditações sobre os problemas da vida e da morte, os pregadores, pelos templos, souberam fazer bom uso.

Hoje multiplicados, os antigos sacerdotes, tentam sacrificar não mais vacas, bodes, para ler profecias em suas vísceras. Como sentisse que algo de destruidor se prepara, a charlatanice, com impacto, anuncia o fim, para cada faceta da verdade.

Diante do árduo crepúsculo da extinção, decreta-se, à face da morte do poeta o fim da poesia.

Em seguida, por sonhadores o fim da utopia, por um cargo eleito o fim da política, agravando, do racismo por um racista, por um militante o fim da luta, e, o fim da desigualdade pelos iguais, no fim da lógica, a fome pelo fim da boca, a pobreza pelo fim do dinheiro, a milícia pelo fim das armas, a droga pelo traficante, da polícia pela burguesia e o carnaval pela contravenção, ademais, o fim dos juros por banqueiros, dos dízimos por pastores, das artes pelos artistas, como tentam, a morte das letras por escritores.

À face dessa última, a morte de todos os gêneros, até da leitura, por vídeos enfim. E, à face do delírio da sociedade de consumo a morte do realismo, que bem usa essa palavra, à estrangeira, o reality, por uma simulação.

Morrem, sucedem-se as gentes, as civilizações, todas passam ou são passadas. Essa espécie não. Já diziam que só era possível, rigorosamente, ter a unanimidade na morte, a rigor, o que temos visto hoje, nas periferias inclusive, é uma encenação bem combinada e bem viva. O simulacro é mesmo o mal do século. Engana até a morte. No demagogo, o seu artista.

Do reino animal, o demagogo é o mais perverso. Acredita que é um sobrevivente em habitat selvagem e que isso lhe dá aval de defender o senso comum à ótica de todos, com o propósito de se defender, pelo oportunismo, traindo cada qual. No entanto, o crime não se dá sozinho. É necessário existir três concursos ao menos.

Há de concorrer o manipulador, que é malandro, persuadindo, há de concorrer o influenciado, que é otário, acreditando, há de concorrer à luz, na fé do simples, cegando. E num quarto, não menos importante, concorre o influenciado, aquele que é otário, que vê vantagem achando que é malandro.

Deparei-me com um desses, essa semana. Distribui alimentos e defende a auto-estima local pelas redes sociais. Mas, sua imagem financiada por empresários, que aliando a deles a sua, em ambiente pobre, cheio de conflitos, justamente, é o que precisam para ter lucro. Um é o exemplo da estrela do voluntariado, o outro, faz-se de humanista.

O povo agradece, sem saber que o financiador cresce com a especulação imobiliária, valorizando um espaço da cidade em detrimento de outro, o que precariza a favela. Em cima da imagem da pobreza e da imagem do cara pobre, agora financiado, ganha ele com sua imagem de “cria”, satisfeito, junto à imagem da favela e da pobreza.

O que tem em comum: Vêem vantagem um no outro e atuam em razão própria, sem solução para qualquer problema. Muito pelo contrário. O ciclo é vicioso. Mas só um é traidor. Onde a causa é legítima, o articulador não. Onde os dois se salvam pelas aparências, são gestores da miséria.

Estimulado pela lógica absurda das novas facetas da verdade, que são encorajadas pelas redes, o demagogo em fins de mostrar-se vencedor sendo filantropo, de origem favelada engana a favela, sendo de origem suburbana trapaceia, frauda, caloteia, enquanto, toda a periferia agoniza. Ou seja, à face do fim da pobreza dá-se fim no pobre. O demagogo é o conto-do-vigário.

E na toada, “quanto mais poder, mais canalha posso ser”, também essa semana, não surpreende que o Prefeito da cidade do Rio de Janeiro ao entregar a concessão de um quiosque à família do imigrante congolês Moïse, brutalmente torturado no local, em cerimônia oficial, formalizada sete dias após sua morte, colocou um novo alvo nos peitos dessa gente.

Ora, é sabido que toda aquela orla é controlada pela milícia e que fora ela, os homicidas. E, é sabido que em manifestação de grupos anti-racistas, no clima de bota-abaixo, foram impedidos pela polícia. Ora, a guarda se manterá ali imóvel, durante oito anos, período da licença? Ou, quantas outras solenidades, serão necessárias, até o fim dessa família?

Ademais, o demagogo é o charlatão que faz previsões pro seu futuro, com as vísceras dos outros.

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