Crônica – O Código Negro

Crônica - O código negro Foto Representação
Crônica - O código negro (Foto: Representação).

Fora chamada com a delicadeza de um simples servo. Apesar da urgência e da incumbência que necessitava o caso, não dera a devida atenção. Para evitar reincidência, logo, perda da mercadoria, mandou isolar a infratora de convívio social.

Ainda cedo, enquanto a mesa era preenchida, novamente solicitada. Manteve a sentença. Sem qualquer vírgula para descanso, falou pouco, reto, com aspectos da privação do sono, severa à sombra das manhãs.

O castigo era um método por assim dizer, na ponta da pena da lei, ilegal, o que não omitia um cristão visto como civilizado de o executar. Para inspirar terror, com o suplício, prestar exemplo, sem que infringisse sua ordem moral ou dignidade, causasse desconforto ou remorso.

A infratora, para agravar o flagelo, não era uma mulher, era uma criança. Vivia num aposento com a mãe e um ou mais homens da própria família onde, tudo indica, a ameaça surgiu e não foi intimada. Recorreu a mãe, tutora da menina, em medida de emergência, segundo o código penal, que a favorece, mas que a senhora recusou. Implorou para cuidar da filha. Silenciadas do vínculo. Suportaram para além de um mês.

A infração, desejar interromper sua gestação obtida mediante estupro. Que a senhora, não evitaria recursos os mais bestiais de coação como, os administrados por latifundiários do século XVIII, tão bem comprovados.

A tortura dos “quatro postes” esticava os membros amarrados de bruços no chão, com um buraco cavado para caber a barriga da mãe, ou a “tortura da argola”, especialmente destinado as cativas mulheres suspeitas de aborto. Duas práticas usuais. Considerando o distanciamento histórico. Uma marca de metal pesado, até que gerassem o bebê. Afinal, o novo ser era um efetivo, assim encarado, de mercado parido da própria terra.

A propriedade, a ordem suprema. Ao longo do tempo foi sendo justificada conforme a necessidade de seus donos. Assim vieram as explicações teológicas, que espalhavam por todos os cantos à cruz o sofrimento, depois, com a laicização do pensamento ocidental, as ciências esforçavam-se, em retribuir seus investidores, ao teorizar a raça, ao legitimar uma sobre outra. Com a biologia, a antropologia criminal, com a inferioridade nata higienista de Lombroso. Tentavam por todos os modos manter, conservar um sistema de relações de poder.

Quando a propriedade é humana essa elaboração exige um regime de disciplina, como exige ao rebelde, estalos de chibata periódica, sem poupar homens e mulheres, velhos e crianças.

A senhora, uma juíza, exposta no início da última semana, que atua na área da infância e juventude há dezoito anos, autora de livros sobre a primeira infância e diz que o direito da criança e do adolescente é sua paixão, se comporta, não mais que, como um colono escravocrata. Um espírito não superado. Com uma depravação comparada. Como num código próprio, um “código negro” apartado da legislação.

Com requintes de tal mentalidade, tentava obter, por intermédio, do confinamento de uma menina negra de 11 anos seu recém-nascido, para adoção a um casal de classe média hipotético. Como quem faz uma experiência social de laboratório.

Ao cabo, a magistratura vigente resolveu, consumando o pior da perversão humana, transferir e promover, a senhora juíza, por competência.

Gostou da matéria?

Contribuindo na nossa campanha da Benfeitoria você recebe nosso jornal mensalmente em casa e apoia no desenvolvimento dos projetos da ANF.

Basta clicar no link para saber as instruções: Benfeitoria Agência de Notícias das Favelas

Conheça nossas redes sociais:

Instagram: https://www.instagram.com/agenciadenoticiasdasfavelas/

Facebook: https://www.facebook.com/agenciadenoticiasdasfavelas

Twitter: https://twitter.com/noticiasfavelas