Consciência o quê?

“Consciência negra, não. Consciência humana! A gente precisa parar com essa segregação, essa separação não vai nos levar a lugar nenhum. É claro que já vivemos dias difíceis para a população negra, mas, agora, tudo é bem mais fácil. Não podemos ficar com esse vitimismo. Tem espaço pra todo mundo. Tem o rap, os manos e as minas, o funk, carnaval, samba, a feijoada. Tem coisa pra caramba aí. Tem até negro nas revistas! Tem bastante espaço para enaltecer a cor.

Não existe racismo.”

Enquanto circulo nas redes sociais e vejo todo esse discurso sem fundamento, parece surreal. De dentro do Uber, sigo rolando o feed do Facebook e aproveito para me preparar para a próxima palestra com os alunos do Colégio Estadual Paulino Barbosa, em Belford Roxo. Eu me pego pensando no melhor diálogo para prender a atenção dos alunos entre 12 e 19 anos da escola de região periférica.

O tema? Consciência negra. O mês é novembro e, sem sombra de dúvidas, é também o período em que mais recebo convites para palestras. Por que será?

Além da escola em questão ser uma escola pública, os alunos são majoritariamente negros, porém, não são a totalidade. A escola, infelizmente, é um lugar de confronto. Sempre busco estratégias para incluir negros e não negros no diálogo, como uma afirmação de que embora o sistema tenha nos limitado a uma relação de ódio, precisamos ser aliados e não adversários. Acho, inclusive, que esse tema seja uma das pautas mais importantes a ser destacada quando o assunto é igualdade racial.

Começo sempre as manhãs com minha pesquisa diária nas redes sociais. Arrisco a dizer que ali estão, se soubermos peneirar, as informações mais assertivas do dia. Temos as tretas e os grupos de influenciadores, onde, na maioria das vezes, conseguimos obter ótimas informações. Há perfis que me inspiram a pesquisar, como o da Maíra Azevedo, Monique Evelle, Rafael Dragaud, Jaci Carvalho, Jefferson Barbosa, Luciellen Assis, Tay Oliveira, Jota C. Angelo e Ellen Paes.

Ellen é mãe da Valentina, uma criança que sempre me surpreende através das histórias que sua mãe compartilha publicamente no Facebook. Os diálogos com a pequena são sempre inseridos de maneira absurda na minha vida.

Recentemente acompanhei o seguinte relato:

“Livro da escola da Valentina.
Página sobre Dia da Consciência Negra:
‘Dia criado para HOMENAGEAR os negros que AJUDARAM a construir o Brasil’”.

Eita! Meu cérebro quase deu P.T. e eu precisei rever o que havia acabado de ler. Era isso mesmo. Valentina, uma criança que deve ter uns 6 anos, estava sendo levada a acreditar que o dia 20 de novembro era um marco histórico para homenagear negros e que esses mesmos tinham ajudado a construir nosso lindo país.

No mesmo post, Ellen faz duas observações bastante pertinentes. Na primeira, descreve a forma como conduziu a situação: “Então, filha… Senta aqui que é hora de você escutar uma história triste e repassar aos seus colegas de turma…”. Em outro comentário, ela destaca sua preocupação em como o assunto estava sendo tratado nas escolas públicas – é nesse ponto que tudo se torna ainda mais crucial.

Ao chegar na escola de Belford Roxo, fiquei sabendo que não havia livros de Carolina de Jesus. Em uma conversa com o grêmio estudantil local, entendi a necessidade de falar sobre quem somos, afinal de contas, como começar a falar da história dos nossos antepassados escravizados se nem sabemos nossa história recente?

Peça a um aluno, por exemplo, para criar sua árvore genealógica. Queridos, vai dar ruim! A maioria, de cara, não conhece sequer seu progenitor.

Recentemente, em outro evento de um CIEP onde atuo com a metodologia de autoestima na educação, um aluno negro bateu de frente com um palestrante não-negro que afirmou que todos somos iguais: “Diga isso ao policial que me manda parar, mesmo uniformizado, mas deixa passar livre meu amigo de pele mais clara”.

Entendam: “se você não está ultrajado, você não está prestando atenção”. Essa frase percorreu o mundo após a morte da autora, a consultora jurídica Heather Heyer. Ela foi morta em agosto deste ano, por um supremacista branco em Charlottesville, nos EUA. Seu último post em uma rede social cabe bem no contexto referente ao jornalista William Waack, que teve um vídeo em que fazia ofensas racistas vazado recentemente nas mídias alternativas.

Precisamos estar atentos, pois se você não se sente ultrajado com o racismo, seja ele escrachado, velado, cordial ou sutil, tanto na fala do aluno negro da escola pública em zona de confronto quanto no conteúdo da escola particular da Valentina ou no início desse texto, você não está prestando atenção. #NãoéSóDia20