Conheça Juà, artista periférico de Poá, na Região Metropolitana de São Paulo

Artista Juà, de Póa, na Região Metropolitana de São Paulo
Juá organiza em Poá o OCUPArte, evento cultural. FOTO: Divulgação

Poá é uma pequena cidade periférica no extremo Leste da Região Metropolitana de São Paulo que tem apenas 74 anos de emancipação e é conhecida pela água radioativa que foi responsável por milagres em enfermos na época dos jesuítas. Nela cresceu Juà, cabloco de quebrada, mas que pode ser entendido como Raiz de Juazeiro, devido seu povo, Payaya, estar no semiárido baiano, mas na ilha concreto paulista, continua firmando raízes e “quebrando o asfalto“.

Como indígena em contexto urbano, sempre teve a memória de seu avô que lembrava ser Payaya, e o pertencimento étnico forte transpassa o corpo desse caboclo que está ocupando o espaço da cultura com diversos projetos.

Neles, carrega sua ancestralidade como forma de cura para um mundo cada vez mais doente. Desses projetos culturais, podemos destacar o Pindoretá, de desenvolvimento artístico de/para pessoas originárias/quilombolas que projeta moda e artes cênicas pelo seu Núcleo “Buraco Negro”, entre outros tipos de manifestações artísticas.

Além desse, atualmente, mesmo não morando mais em sua cidade Natal, integra-se ao Forum de Cultura de Poá, realizado por cidadãos que já vem da luta pelos mecanismos culturais e articulou, junto a outros, a primeira edição do “OCUPArte”.

Poá é uma encruza!

Ao perguntar o que Poá significava, ele diz: “Poá é uma encruza, eu sempre senti desde criança essa energia de encruza. Eu sempre fui esse ser de várias energias, nunca de uma coisa só e aqui pra mim é esse encontro. Além de que tem o valor da água, que foi a primeira a ser comercializada aqui em Pindorama”.

Ele tem uma leitura história da água radioativa na cidade de Poá. “Antigamente, tinha um padre que a usava para curar, mas hoje entende-se que a água que tem um teor de radiotividade que faz bem pro corpo e não que era poder desse padre. Com isso, me pergunto sobre os povos que tinham aqui, pois onde tem água, tem indígena, né? Por isso, eu sinto muito os encantados nessa terra, sabe”?

Fica claro durante suas falas que depois de tanto tempo em constante mudanças, de Itaim a Goiânia, sentiu necessidade de voltar a Poá, a cidade em que nasceu e onde mantém um sentimento profundo e particular, que o criou e o estruturou para ser quem é.

Com a visão de mundo que vem construindo com suas trajetórias, olha agora para essa terra com a perspectiva de coletivização. A partir disso, conheceu em uma palestra sobre indígenas na cidade e periferia um professor de História, Filosofia e Sociologia da cidade, que desde dos 17 anos luta por ocupações.

Ele apresentou Gisele Magalhães a Juà e, juntos, estrearam esse evento, organizado pelo Forum de Cultura de Poá, o OCUPARTE.

O que é o OCUPArte?

A primeira edição do evento ocorreu no dia 11 de março desse ano e teve como objetivo abrir espaço para que a cultura faça parte do mundo das periferias não como algo adjacente, mas integrante.

A perspectiva é sempre do povo e para o povo, porque fazer arte também é um ato revolucionário. No OCUPARrte houve apresentações de artístas locais e não-locais por meio de poesia, música e performance.

Estiveram presentes JùpïRã, com sua tocável e intrigante apresentação que instigava a busca interna sobre nossas percepções e a angústia de não ser visto. Também se apresentouo Núcleo Buraco Negro, que promovia a busca interna quanto às nossas próprias raízes ao perguntar, severamente, “de que Rio você vem?“.

Quem compareceu também ouvi as rimas e palavras de Pyxuá, que inspiram a alma, além de curtir o show de Sé da Rua, artista caiçara que dispensa comentários simplistas, pois como diz em uma de suas músicas, são “toneladas de vivências”.

O OCUPArte é exatamente o que ele se dispõem a ser: ocupação em forma de arte. Vozes pretas, índigenas e trans sendo valorizadas como deveriam sempre ser. A utopia em vida se materializando, onde não há designação, mas sim o controle dos nossos quanto às suas próprias narrativas.

É pensar que o decolonialismo não existe apenas como materialidade histórica, mas sim enquanto no nosso tempo real, como verdade factual. É utilizar do passado ultrapassante e quebrar barreiras limitantes que existem para nos individualizar.

Existe utopia na periferia

Para terminar, Juá lança questões sobre a utopia que sonha para periferia: “Se a gente pudesse demarcar uma quebrada, como seria? Se uma quebrada pudesse reconhecer a ancestralidade daquele território?

Seu raciocínio continua: “Foram vários povos que migraram, construíram; coube os nossos demarcar e entender que daquela terra ninguém é dono, é tudo nosso, ninguém vai tirar de ninguém. Se é para falar de demarcação, vamos falar de todos os territórios que são indígenas”.

Quando entenderem que, ao se dizer “todo território brasileiro é indígena“, não significa que essa terra é de ninguém. Muito pelo contrário, diz que ela é ancestral de certos povos e de todos que se dispõem a coletivizar e valorizar, inclusive os diferentes povos que aqui existem e continuam sendo mortos.

As pessoas interpretam decolonizar como uma piada, porque devem achar que isso significa ser como o pensamento colonial de expulsar pessoas brancas, matá-las ou odiá-las.

A diferença é que a decolonialidade é muito mais sobre entender que se vivemos em território indígena, a modernidade e pós-modernidade são apenas mais dois momentos transitórios da sociedade Ocidental, na qual povos europeus usaram desse território para seus experimentos com o início do capitalismo.

Ser decolonial é entender que Marx se inspirou em aldeias indígenas, que resistem hoje em dia, para criar a utopia do comunismo, enquanto os Europeus destruíram a utopia de Pindorama.

Jean Silva

@jeatheus

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