Ciclone Bomba em Curitiba deixa rastros da ineficiência na gestão de suas favelas

Morador da Cidade Industrial de Curitiba, um dos locais fortemente atingidos pelo Ciclone-Bomba - Foto: Raíssa Melo

Será que chove mais forte na favela e venta mais fraco no centro? O Ciclone-Bomba, que atravessou o sul do país na última terça-feira, 30, devastou cidades do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Ventos de até 145 quilômetros por hora arrebentaram sistemas inteiros de energia elétrica, destruíram casas, escolas e centros comerciais. Em Santa Catarina várias cidades decretaram estado de emergência e, neste sábado, 4, o presidente irá sobrevoar as cidades mais devastadas pelo desastre natural. As favelas foram as mais atingidas pelo ciclone, indicando que o principal problema não são os eventos climáticos mas sim a própria pobreza e o hábito de ignorar territórios favelados.

Se as mudanças climáticas não fazem distinção de classe, as políticas públicas de “gestão de riscos” fazem, isso ocorre porque um dos pontos centrais dessas políticas é medir os danos ao patrimônio que as catástrofes do tempo causam e a queda de consumo durante e pós-evento climático, e não à vida e ao bem estar da população atingida, ainda mais se essa população não consumir formalmente. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018), 58% dos municípios do país não contam com instrumentos de planejamento e gerenciamento de risco, apenas 25% têm um plano diretor com objetivos de prevenção de enchentes e enxurradas, só 23% declararam ter leis de ocupação e recuperação do solo e apenas 6% têm trabalhos junto à Defesa Civil para vendavais.

Isso se traduz na discrepância dos estragos entre favela e asfalto. Enquanto os mais pobres, aqueles que vivem com até salário mínimo, representam 11% dos danos patrimoniais tributáveis, os mesmos representam 67% dos danos relacionados ao bem-

Casa destruída pelo Ciclone Bomba, na favela de Tatuquara, em Curitiba – Foto Robson Santos

estar, acesso à energia elétrica, eletrodomésticos, saneamento e pavimentação. Por exemplo, o ciclone em Curitiba devastou a favela do Tatuquara, uma das maiores da cidade. O dano ao patrimônio em valores é menor do que os danos e estragos na Avenida Batel e centro, onde os imóveis são mais valorizados; mas no Tatuquara e nas outras favelas o tempo e a dificuldade para lidar com os danos são imensamente maiores e mais longos. Porque não é segredo que na favela não há poupança, que todo o dinheiro ganho é exclusivamente para subsistência, um desastre torna ainda mais precário viver.

Como se não bastassem todas essas desigualdades e desastres naturais, o caráter do capitalismo é ainda mais cruel. É nesses momentos que políticos corruptos usam da miséria do povo para fugir das suas próprias falcatruas e constrangimentos nacionais e internacionais. Fazem marketing político, chamam doações, reforçam o estereótipo sobre as áreas de favela, dizem que não seriam habitáveis em nenhuma circunstância e criminalizam ainda mais esses espaços e pessoas.

Hoje o presidente e sua equipe sobrevoam as áreas mais atingidas pelo Ciclone Bomba e eu espero que vejam vidas e não cifrões, espero que desta vez a favela importe.