Capoeira: A arte ancestral de resistir

foto: arquivo pessoal

No último dia 5 de julho comemoramos o dia mundial da capoeira, uma manifestação cultural e muito representativa do Brasil, que se desenvolve principalmente nas regiões periféricas do país.

Para celebrar essa data e trazer uma ótica da diversidade sobre o assunto, convidamos o professor Hugus Felix, 36 anos, natural de Catanduva-SP. Morando atualmente no Rio de Janeiro, ele é mestre em Filosofia pela UFRJ , e conta um pouco da sua relação com a capoeira.

1. Como a capoeira entrou na sua vida e qual a importância que ela tem na sua história?

Por volta do ano de 2010/2011, na época em que estava cursando o mestrado em Filosofia, me dei conta que durante toda a minha vida escolar, isto é, da pré-escola ao mestrado, não tive sequer um(a) professor(a) negro(a). A esta constatação se somou o fato de que durante toda a minha graduação em Filosofia na UFRJ nunca ouvi nas aulas nenhuma menção que fosse à Filosofia Africana.

A única referência que tínhamos só falava em Filosofia europeia e norte-americana.
Assim, eu, negro, ao perceber que a minha formação tinha sido até então somente a partir de referências brancas, tive a necessidade urgente de buscar algo me pusesse em contato com minhas raízes africanas. Naquele momento, a Capoeira Angola foi o que primeiro me pareceu ser uma prática adequada nesse sentido. Ou seja, por conta do racismo institucional que nos priva de referências negras e africanas nos espaços formais, fui buscar a Capoeira Angola como um meio de suprir esta carência. Dessa forma, essa prática representa para mim a possibilidade de reverenciar, aprender e estar em contato direto com a ancestralidade negra.

2. Por que é errado resumir a capoeira somente como uma luta?

Não sei se eu poderia dizer que é errado, porque a capoeira é também luta, mas, no meu ponto de vista, seria empobrecedor considerá-la somente como tal. A capoeira é uma prática complexa que, diferente do que muitos devem achar, não se limita a ser somente uma prática física, ela envolve também musicalidade, ritmo e reflexão. Sobre essa questão, eu gosto muito de algo que Mestre Pastinha disse a respeito. Ele lembrou que a capoeira nasce da necessidade do africano escravizado de combater o seu rival, então, nesse contexto é luta. Porém, quando não há a necessidade de rivalizar, a capoeira ainda existe como expressão da alegria, mas aí ela é dança.

3. Quais são os fundamentos da Capoeira?

Na Capoeira Angola existe a hierarquia formada pelo mestre, contramestre e trenel. A roda de capoeira é formada pelos berimbaus gunga, médio e viola, além de um atabaque, dois pandeiros, reco-reco e agogô. O jogo é iniciado com a ladainha, um canto cujas palavras trazem uma história ou um fato que serve de inspiração, e se segue com a louvação e corrido, em que uma pessoa canta e o coro responde. É da ginga que sai o golpe, nem sempre violento, mas, com certeza, perigoso. Desta forma, aquela ou aquele que joga deve estar sempre atento a esta complexidade de elementos.

4. Uma pessoa LGBTQIA+ pode ser abraçada pelo movimento da Capoeira?

Pela história se vê que a capoeira se constituiu como uma prática majoritariamente feita por homens. Com um reflexo social disso, ela se fez um espaço machista e por vezes misógino. Aos poucos as mulheres foram conquistando espaço, fazendo com que a capoeira se tornasse mais inclusiva e diversa, e hoje, mesmo estando em menor número, elas ocupam sim espaços na capoeira, sem, no entanto, ter deixado de lutar pelo seu próprio.

Digo isso porque de fato hoje não vejo muitas pessoas LGBTQIA+ na capoeira, como no passado não havia mulheres. Assim, a pessoa LGBTQIA+ que decidir entrar para capoeira deve saber que é possível que em algum momento tenha de confrontar atitudes individuais de preconceito, porque infelizmente na capoeira há também pessoas que por vezes reproduzem certos preconceitos.

5 . Você como uma pessoa LGBTQIA+ já sofreu algum tipo de resistência, preconceito ou sabe de alguma história de quem já sofreu?

Sim, já sofri. Algumas vezes, aliás. Teve ocasiões em que se foi possível trazer à tona o ocorrido, a micro-agressão do preconceito, e conversar sobre. Mas tem vezes em que não é possível conversar sobre a agressão homofóbica, porque às vezes ela se dá no campo mais sutil, no subjetivo. Por exemplo, quando uma pessoa que, ao perceber que sou gay, se recusa a estabelecer vínculos e trocas de saberes, troca essa que é fundamental à Capoeira Angola. É mais ou menos como no racismo. A agressão racista não precisa ser explícita para a gente, que é preto, saber que foi racismo.

6. Dentro da capoeira você conhece alguém que possa ser uma referência de capoeirista LGBTQIA+?

A primeira referência LGBTQIA+ que tive foi Madame Satã, ágil lutador de capoeira, frequentador da Lapa no Rio da década de 1930 e representado no cinema pelo ator Lázaro Ramos. Atualmente, conheci através do instagram o capoerista Pumã Camillê, natural de Campinas-SP. Ele, além de um excelente capoeirista, tem desenvolvido um trabalho que une capoeira e vogue, uma expressão de resistência da comunidade negra LGBTQI+ estado-unidense. Entendo que o que Pumã faz é uma forma de denunciar e combater a LGBTQIA+fobia na capoeira.

7. O que é Capoeira para você ?

Uma prática de resistência e fonte de sabedoria ancestral.

Percebemos na fala de Hugus um pouco da história dessa manifestação que tanto representa nossa nação pelo mundo, e a relação que ela teve com um rapaz na busca de entender-se negro, pois a capoeira trabalha a visão de ancestralidade.
A vivência de Hugus denuncia as situações preocupantes que uma pessoa LGBTQIA+ pode passar por indivíduos que ainda não entendem a diversidade humana.
Salve os capoeiristas, a manifestação cultural Brasileira e os Grandes Mestres!

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