Caminhos da recondução

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“Vamos falar de políticas públicas para o Brasil, para brasileiros, que têm uma Constituição que afirma a nossa condição de pertencer a um Estado democrático, pluralista, e tendo como fundamento, entre outros, um que nós destacamos: a dignidade da pessoa humana.”
Coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira

Trabalhar com o resgate de presos, com a possibilidade da sua recomposição como cidadão e sua recondução ao convívio social, deveria ser o objetivo primordial da execução da pena.

Muitos caminhos ainda teremos que percorrer, mas é preciso avançar rumo a mudanças de paradigmas, estabelecer compromissos com o futuro, implementar ações transformadoras, fundamentais ao convívio no interior das prisões e no resultado comportamental do homem fora dela. Devemos ultrapassar o conceito de “apartheid”, e trabalhar o resgate e a recondução social de homens e mulheres presos.

De todo o processo penal no Estado Democrático de Direito, a execução penal, ao meu ver, é um dos mais importantes objetivos a ser atingido. Mais do que a punição, a execução penal é o começo da cura. É ela que pode e deve estabelecer metas de diminuição de reincidência através do ensino e do trabalho – técnico, cultural, lúdico, esportivo -, e tudo o que puder sinalizar para o preso a importância da sua cidadania e do seu papel como homem, como pai, esposo e filho durante o decorrer do cumprimento da pena.

Faz-se necessário o investimento na capacitação de novos gestores da administração penitenciária, com um olhar mais técnico e menos punitivo, para que seja possível a implementação de novos métodos de trabalho como estratégia permanente de segurança pública. Investir continuamente na capacitação gerencial do corpo funcional e em atividades educacionais, laborativas e culturais intra-muros mantém as unidades prisionais em patamares administráveis, fazendo com que os internos fiquem afastados de uma miríade de atividades dispersivas, negativas ou que não se entreguem à ociosidade forçada pela falta absoluta do que fazer. Hoje, poucos trabalham, poucos estudam.

Esse investimento, que, na leitura estatal, parece de pouca importância, deve ser visto como complemento de uma estratégia maior para o controle dos índices da reincidência. Trabalhar com perspectivas diferenciadas entre execução penal e segurança pública faz com que os índices de reincidência atinjam altos patamares, então, é preciso perceber o nó e desatá-lo. Já que a polícia prende e a justiça estipula a pena, cabe às unidades prisionais oferecerem ferramentas possíveis para que o cidadão apenado possa perceber seu valor e descobrir-se necessário, não só para sua família, bem como para a sociedade da qual, querendo ou não, ele ainda faz parte.

Precisamos entender a importância de uma política inclusiva, de um trabalho que altere de forma positiva o comportamento do preso e a sua percepção sobre si mesmo. É necessário que o Estado implemente políticas públicas capazes de transformar a forma arcaica de punição em um modelo formador de cidadãos.

Para a garantia do Estado Democrático de Direito, é necessário investir no humano, no diferente, no oposto, no desviante. Até porque, se não é o nosso filho, é o filho de alguém, de algum cidadão brasileiro. É preciso diminuir as distâncias e trabalhar com a inclusão -estimular o cidadão infrator a perceber-se parte de um todo social e instrumentalizá-lo a exercitar essa cidadania.

O sistema penitenciário brasileiro é jovem, pobre e negro (e pardo). É fundamental sinalizar com oportunidades para esses jovens, fazer com que possam ter escolhas diferentes, perceberem-se realmente participantes da malha social. Esse é o único caminho que conduzirá a sociedade a conviver índices menores de reincidência.

A execução penal, que academicamente é vista como apenas uma matéria do curso de Direito, devia ser uma cadeira fundamental no estudo do direito penal. É ela que responde satisfatoriamente ou não aos anseios sociais, às perspectivas pacifistas. Ou o homem sai da prisão em condições de retornar pacificamente à sua caminhada ou ele retorna mais virulento, com um poder maior de ferir a todos.

Há muito as prisões são “MBA” em criminalidade, uma pós-graduação que vem capacitando com maestria o cidadão encarcerado, ampliando o seu raio de atuação e articulação. Por isso, a segurança social depende não só do trabalho da segurança pública desenvolvido pelas Polícias Civil e Militar, mas também de um bom trabalho desenvolvido nas prisões.

Como diz Alessandro Di Giorgi:
“As estratégias de regulamentação punitiva da sociedade (…) contribuem, de modo determinante, para traçar os novos limites materiais e simbólicos da democracia: com efeito, tais estratégias definem novas formas de exclusão e consolidam novos critérios de seleção no acesso a cidadania.”

As nossas prisões não devem ser “uma via ocidental do Gulag” (Christie, 1996), mas sim a última comporta do processo penal, onde a transformação comportamental do indivíduo é exercitada como estratégia de segurança pública e de convivência social.