Brasil e México, além das quatro linhas

Mural do Exercito Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) - Chiapas, México. (Créditos - acervo do autor)

Quando você estiver lendo esta coluna, provavelmente já saberá o resultado do jogo Brasil x México. Portanto, não vou arriscar previsões de resultado, nem placar. Mas sem arrogância ou salto alto, é razoável supor que a nossa seleção é favorita no jogo. Além do nível técnico e talentos individuais do nosso escrete, a camisa pesa, especialmente pelo respeito e admiração que o futebol brasileiro desperta em nossos irmãos latino-americanos, com quem compartilhamos a paixão e a mística pelo esporte.

Considerando que futebol é uma caixinha de surpresas, na hipótese – remota? – do Brasil perder a partida, além do desastre /hecatombe / apocalipse que representaria uma derrota para a torcida e a imprensa brasileira, seria uma vitória do improvável. Davi derrotando Golias. Para os mexicanos,  eliminar o Brasil da Copa seria um milagre, um feito histórico, talvez tão relevante quando vencer o mundial, e que permaneceria por décadas no imaginário futebolístico do país.

O  confronto esportivo  entre os dois “gigantes” da América Latina nos permite observar um pouco mais a trajetória deste país, ao mesmo tempo tão próximo e tão distante do Brasil, com quem compartilhamos desafios e possibilidades em comum.

Durante o jogo, já conheceremos também o resultado das eleições presidenciais mexicanas, realizadas neste domingo (01/07).  Em condições normais de temperatura e pressão, deve vencer Andrés Manuel Lopez Obrador, candidato apoiado por uma ampla frente de centro-esquerda, que após várias tentativas e  fraudes eleitorais contra ele em eleições passadas, está cerca de 20 pontos percentuais a frente do segundo colocado. Se eleito, será o primeiro governo de esquerda no país desde a revolução mexicana. Os desdobramentos desta transição política no  México terá reflexos importantes para o Brasil e a América Latina.

“Pobre México, tão longe de Deus, e tão perto dos EUA”, disse o ex-presidente mexicano Porfírio Diaz. Ser vizinho de porta do Tio Sam determinou em grande medida as dimensões da profunda crise vivida pelo país nos últimos 20 anos. Se  80% das exportações mexicanas são vendidas para os Estados Unidos, e respondem por uma porcentagem significativa do PIB nacional, as pressões que o “primo rico” exercem sobre o governo e a sociedade mexicana agravam as profundas contradições sociais e econômicas do país. Grande parte das instituições mexicanas, bem como o setor empresarial, polícias e forças armadas,  é controlada pelo crime organizado. Muitos analistas definem o México como um Narcoestado, e o controle de territórios por facções criminosas desaparições forçadas e execuções em massa são parte do cotidiano do país. Este panorama do México de hoje tem semelhanças assustadoras com a escalada de violência e degradação institucional vivida no Brasil.

Em um contexto de extrema incerteza para o futuro da democracia no Brasil e em diversos países latino-americanos, a vitória de Obrador no México produz esperança e alento, ainda que pairem muitas incertezas sobre o sentido que será dado ao seu governo, bem como sobre a capacidade de um governante lidar e combater com estruturas do Estado extremamente corrompidas e sob controle de poderes paralelos, muitos deles incrustados há décadas no aparelho estatal mexicano. Para além das quatro linhas, os próximos lances da partida mexicana podem ser decisivos para o nosso futuro.