Bolsonaro peca pela boca

Governo Bolsonaro prôpos tempo de contribuição de 40 anos para restituição completa do valor. Foto: Reprodução

Cada vez que ele abre a boca é um Deus no acuda!

A desfaçatez tomou conta do país; ou melhor, do governo Bolsonaro. “Desfaçatez”, sabe toda criança de escola pública, quer dizer “pouca-vergonha, descaramento, impudência, cinismo”, segundo o Dicionário Aurélio. É a fiel tradução do governo brasileiro desde o começo do ano. Um exemplo: o presidente resolve nomear o filho embaixador em Washington. Em público, ausculta o ministro das Relações Exteriores sobre a ideia e ouve de bate-pronto “excelente nome”. Todos riem na sala, inclusive o presidente fanfarrão, que emenda “embaixador inteligente”. É ou não uma desfaçatez? Ou estão de deboche com a gente?

Ambas as opções estão corretas, demonstra Eduardo ao dizer “já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos” e outras bobagens que acredita serem credenciais para o cargo. E pode estar certo, pelo menos na primeira parte, porque Trump quer indicar o filho para a embaixada americana aqui. “Fellowship” é isso, o resto é conversa de bar. Eduardo já antevê as folgas em que dará tiros no quintal do Olavo de Carvalho, na Virgínia, embora deva morar na capital, a 300 quilômetros da casa do astrólogo. Na cabeça do antigo chapeiro de lanchonete americana, o cargo não lhe custará esforço, a estrutura do Itamaraty é conhecida e reconhecida como competente, embora tenha votado maciçamente no Aécio, ajudado o golpe como foi possível nas nossas representações no exterior e votado maciçamente em Bolsonaro em 2018. Mas isso é coisa de que nossa diplomacia deve estar arrependida desde a posse do chanceler obscurantista.

O despudor, como prefere chamar o youtuber Benvindo Sequeira, é total, franco e sincero, está na raiz do bolsonarismo. É a tomada de dois pinos, os nomes de pai e mãe nos formulários para o passaporte, o alinhamento com países muçulmanos nas Nações Unidas, são os 39 quilos de cocaína na comitiva presidencial, os 20 milhões de reais por cada voto na reforma da previdência, as fake news…Ah, Deus!, é o conjunto da obra, esta sinfonia tortuosa que arrasta os ratos atrás do flautista de Hamelin a caminho do precipício onde cairemos todos. É uma tragicomédia, um Tartufo tupiniquim no qual as máscaras de “religiosos” e outros hipócritas togados ou ex-togados estão por cair ainda. Não tardará muito mais, são as previsões do The Intercept Brasil, que anuncia munição para vencer o embate.

Na verdade, o embuste, a farsa, a desfaçatez e o despudor encontraram na série de revelações do The Intercept Brasil o seu Davi, o menino com a funda que vai acertar a pedra no meio dos olhos do Golias e derrubá-lo de maneira inapelável e espetacular. As conversas e as transcrições são verdadeiras, apesar dos desmentidos e das invenções de hackers. Fotos e vídeos estão por vir à luz. Pela primeira vez desde a chegada da corte portuguesa ao Brasil em 1808 e a consequente autorização para instalar-se a primeira máquina impressora por estas bandas, o poder encara a força da imprensa. Não a nacional, que esta está com os desfaçatados, mas a americana,  que derrubou Nixon, expôs a mentira da guerra do Vietnam, divulgou os arquivos do ex-espião da CIA Edward Snowden e abre ao mundo a verdade brasileira.

Como disse Glenn Greenwald na feira literária de Paraty diante de milhares de pessoas ávidas por ouvi-lo, sua motivação não é Lula Livre nem derrubar Bolsonaro e seus capangas: seu objetivo é mostrar que sem liberdade de imprensa não existe democracia. Ele não revelará sua fonte nem enviará material para peritagem de quem quer que seja. Ele tem certeza de que tudo é autêntico e verdadeiro, verificou antes de divulgar, não é cascateiro de jornal que publica dossiê sem checar. Não prega prego sem estopa, apenas exerce seu ofício. Não é criminoso nem bandido: é jornalista.

A ironia maior é que Bolsonaro repetia na campanha o versículo 32 de João, capítulo 8: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Nem fazia ideia de quão profética era a citação.