Bixas Pretas: Resistência e Performance LGBT nas favelas de Salvador

Everton Carvalho

Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) negras e negros são maioria entre as vítimas de violência no Brasil. Como consequência direta desses números, se detecta a redução da expectativa e qualidade de vida dessa população, sobretudo as LGBT’s jovens e negras, principais vítimas da violência urbana e também o alvo preferencial dos homicidas.

Crédito: Everton Carvalho. Nininha Problemática

Liderando o ranking geral, estão às travestis e transexuais negras, pessoas que, quando trabalham formalmente, recebem os salários mais baixos do mercado e ocupam subempregos.

A insegurança é o que mais afeta esse grupo, principal alvo da criminalidade em todos os âmbitos sociais. Essa triste realidade interfere diretamente no desenvolvimento e autonomia dessas pessoas. Buscando reverter essa “lógica” predeterminada, que delimita espaços e direitos, as chamadas “bixas pretas” tentam transformar a realidade por meio da arte.

Nos palcos espalhados pela capital e fora deles, apresentam suas surpreendentes performances artísticas e ocupam espaços na luta por direitos constitucionais e garantia de sobrevivência com dignidade e liberdade.

A ideia é quebrar paradigmas que estabelecem papéis sociais e impõem barreiras à essas pessoas apenas pela sua sexualidade, sobretudo, impondo regras que visam enquadrar esse grupo em papéis sociais deprimentes, os quais consideram condizentes com as normatividades hegemônicas.

Os movimentos culturais possibilitam o nascimento de novas expressões no contexto das identidades, gênero e orientações sexuais, como é o caso do “Êlas”, que, num cruzamento de raça, classe, gênero e territorialidade, é importante dizer que são as “bixas pretas”, da periferia, que protagonizam a luta junto às suas comunidades e nos espaços de militância social.

Segundo o pesquisador Júlio Cerqueira, o “Êlas” emerge e se destaca como uma categoria subversiva por instaurar, diante das normas estabelecidas, fatores que possibilitam novas vivências e tensionam toda a cena do contexto social, posicionando suas ações e refutando a “heteronorma” ou qualquer imposição social preestabelecida.

Consideradas elementos de transformação por suas performances, as bixas pretas possibilitam rupturas, inserem signos e uma política de reconfiguração identitária, que perpassa por estratégias de resistência e incorporação de significados para as masculinidades negras, desconstruindo papéis sociais e normativos. Grupos como o “Êlas” abrem espaço para que corpos negros e LGBTs performemem resistência às adversidades cotidianas.

Criador do personagem “Drag Queen” Nininha Problemática, o artista Rodrigo Santos, morador do bairro Sete de Abril, em Salvador, que se autodenomina ‘bixa preta’ diz que “ser negro, gay, artista transformista na periferia, infelizmente ainda é ser vitima de chacota, é resistir três vezes mais, é suportar três vezes mais”.

Rodrigo considera que seu trabalho enquanto artista é de fundamental importância para que outras pessoas possam se inspirar e que busquem visibilidade. “ Amo o que eu faço, ser negro, gay, artista é o que eu sou e o que eu sempre serei”,  afirma autoconfiante.

A data 17 de Maio foi instituído pela ONU como o “Dia Mundial de Combate a  Homofobia” e em 28 de junho  é comemorado o Dia do Orgulho Gay” e na opinião da artista transformista Illa Hanna,  a ideia é que datas como estas contribuam para que o respeito impere na nossa sociedade.

“Queremos sair de casa montadas com nosso figurino para fazer um show, ou simplesmente para dar close em nossos bairros e termos a garantia que voltaremos para casa seguras”.  Este é um desejo de milhares de pessoas LGBT’s, sobretudo as travestis e trassexuais que são as pessoas mais vulneráveis no contexto das violências.

Illa considera ainda que falta conhecimento para ajudar a quebrar o preconceito nas favelas, onde as pessoas possam aprender a lidar normalmente com a presença de artistas transformistas e pessoas trans no dia a dia. “Temos o direito de sermos livres, respeitadas pelo que somos. Não cabe mais qualquer tipo de discriminação no nosso convívio”, concluiu.

Crédito: Divulgação. Illa Hanna

* Matéria publicada no Jornal A Voz da Favela, edição de Abril 2019