BECOS: podcast criado por moradores de favelas do Rio

Podcast BECOS mostra a potência da favela
Disponível em todas as plataformas digitais, a peça sonora conta com quatro atos - Foto: Márcio Coutinho

Com o intuito de mostrar a favela através da arte, seis jovens moradores da Maré e de favelas vizinhas, no Rio de Janeiro, criaram a peça sonora BECOS. O podcast está inserido na pesquisa “Construindo Pontes, Atravessando Becos: Cultura e Saúde Mental”, que tem o objetivo de ver como os jovens das favelas estão lidando com a pandemia. A pesquisa é uma parceria entre a organização inglesa People’s Palace Project e a ONG Redes da Maré.

Rodrigo Maré, Jonathan Panta, Matheus de Araujo, MC Martina, Thainá Iná e Thais Ayomide, são os artistas que fazem o BECOS acontecer. Dividido em quatro atos, o podcast teve um processo criativo remoto que durou cinco meses e contou com 100 horas de oficinas de poesia e escrita criativa. Esses meses foram conduzidos por Paul Heritage, professor de artes cênicas e diretor artístico da People’s Palace Project, e Catherine Paskell, diretora de teatro do País de Gales.

Paul, que tem uma parceria de sete anos com a Redes da Maré, disse que mesmo sendo um processo à distância era importante perceber e entender como a juventude da favela estava protegendo sua saúde mental nesses tempos pandêmicos. “Percebemos que um desses meios é através da arte e cultura. Encontrei uma qualidade de escrita incrível e pensamos que aqueles versos deveriam ser expostos para o público. Foi aí que eles deram a ideia do podcast”, afirma.

Ainda de acordo com o diretor artístico, em cada verso era possível ver a visão de mundo e da favela em que os seis artistas vivem. “Mesmo não sendo uma narrativa sobre a pandemia, ela está em tudo o que eles escreveram. Todos nós queremos abrir um novo beco, um novo caminho. E ver isso no trabalho deles é ver sua visão de mundo”, completa.

Processo de criação do podcast BECOS

“O que Becos tem a dizer é que os corpos pretos vão ecoar durante muito tempo”. A fala é de Thais Ayomide, formada em dança, fotografia e audiovisual, é poetiza e uma das artistas que compõe a peça sonora BECOS.

Thais explica que o processo de criação do podcast foi denso e em muitas vezes doloroso, pois, fazer poesia em um período pandêmico era entender que em certos momentos o próprio corpo não queria fazê-la. No entanto, ela conta que, ao mesmo tempo, a produção foi livre e orgânica, nascendo das inclinações dos próprios artistas.

“A gente só sentia dor e não queríamos retratar a favela de uma maneira negativa. Era tudo muito intenso e acho que o mais difícil foi entender o que estava acontecendo e o motivo de estarmos longe um do outro. Além de lidar com tantas mortes do povo preto não só pela Covid-19. Era automaticamente lidar com todas essas dores”, comenta.

E no meio de tanta dor, eles perceberam que não poderiam deixar passar esse sentimento em seus versos. “Não queríamos criar algo estigmatizado, sobre violência e tal, mas ao mesmo tempo era muito violento o que estávamos passando. Então fizemos algo que mostra a potência da favela mas ao mesmo tempo denuncia”, salienta Thais.

O nome BECOS

Segundo a poetiza, a escolha do nome foi uma das partes mais difíceis na criação do podcast BECOS. Mas ao relerem seus versos, perceberam que a palavra “beco” aparecia constantemente em todos.

“O principal motivo foi por entender que beco era um lugar de encontro e não só de moradia. É o lugar onde a tia me abençoa quando tô indo trabalhar, é o lugar onde as crianças brincam. Beco é o lugar do ecoar de vozes, seja da mãe chamado o filho ou da denúncia. Além de ser lugar de encruzilhada, seja negativo ou positivo. Um lugar de encontros, mas um lugar também de medo quando a gente corre pois vê uma operação policial acontecendo”, explica Thais.

Ela conta ainda que fazer parte desse projeto é uma mistura de sentimentos e que cada vez que escuta o podcast ou um comentário sobre ele, ecoa de uma forma diferente. “Vi no Becos uma forma de trazer meu corpo como potência e também como denúncia, trazer o corpo que ecoa ancestralidade. Essa união me trouxe outra esperança, a esperança latente, preta e consciente das mazelas mas que não deixa de estar no front”, completa.

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