Bate-bolas: tradição e identidade

Há muita preparação das turmas para fazer a festa mais bonita possível. Créditos: reprodução da internet

Nas praças e ruas do subúrbio carioca e da Baixada Fluminense, quem predomina não são as rainhas da bateria, nem os blocos. Nesses lugares, o carnaval é de turmas de homens mascarados com fantasias tão belas quanto assustadoras, os chamados bate-bolas. Eles são palhaços com rostos diabólicos, mas vestidos delicadamente com volumosos macacões de cetim, luvas, meias e penas coloridas, e casacas com desenhos infantis feitos a mão e cheios de glitter.

Amarrados a uma tradição de mais de 80 anos, que é Patrimônio Cultural Carioca, desde 2012, os também chamados clóvis (uma evolução da palavra inglesa “clown”, que significa palhaço), passam o ano inteiro costurando suas próprias fantasias, longe do sambódromo e fora do sinal das transmissões oficiais de televisão.

As origens dessa tradição passam pela influência da colonização portuguesa, da folia de reis, dos bailes de máscaras franceses e de elementos das festas medievais europeias. Muitos também contam que escravos libertos, perseguidos injustamente pela polícia, vestiam as fantasias para poder brincar livremente o carnaval e, usar o bate-bola para protestar contra a opressão.

Batendo no chão com suas bexigas de boi fedorentas, presas por corda a uma vara ou cabo, os bate-bolas eram o terror da criançada. Hoje em dia, as bolas são de borracha ou plástico, mas a atitude amedrontadora se mantém. As crianças se dividem entre o temor que os bate-bolas lhes provocam e a fascinação pela brincadeira. Os enredos podem apelar a temas do entretenimento infantil, como princesas e super-heróis.

As crianças, “elementos” que não podem faltar. Créditos: reprodução da internet

A tradição passou de pai para filho e hoje, organizados em grupos e turmas, seguem um longo cronograma para organizar seu desfile de carnaval, que tem queima de fogos e festas com samba e funks, especialmente compostos em homenagem às turmas, em suas saídas. Não há um padrão único para isso, mas, em geral, notamos que elas ocorrem nos domingos de carnaval, que representam o auge do momento carnavalesco, pois é quando o resultado do trabalho árduo e minucioso de idealização e produção das fantasias é, finalmente, exibido. Esse trabalho é feito com muita antecedência e pode começar tão logo termine um período carnavalesco.

O objetivo de todos é ser o mais bonito, ou às vezes o que mais gastou, e deixar de boca aberta os moradores do bairro. Há concursos oficiais e extraoficiais de bate-bolas e o verdadeiro júri está nas ruas. Além das competições oficializadas e regulamentadas pelos concursos de fantasias, há outras formas de disputa. Nestas, os critérios não são claramente expressos, mas pode-se perceber que se compete, com frequência, pelo posto de turma mais numerosa, com fantasia mais inovadora, com maior aceitação popular, a mais temida, entre outros critérios.

As variações entre os grupos são perceptíveis. Por exemplo, o mais numeroso e temido grupo carnavalesco do bairro são os Cobra. Eles encarnam a face mais violenta dos bate-bolas, ocupando as mãos com uma bandeira e uma bola amarrada com corda, para fazer muito barulho, seguindo à risca a tradição. Outras turmas, menos impetuosas como a Enigma, trocaram a bola pela delicadeza e os detalhes de uma sombrinha e um boneco.

Grupos variados, assustadores e coloridos. Créditos: reprodução da internet

Os líderes dos grupos de bate-bolas são os chamados “cabeças”, que pensam e organizam tudo. São muitos os esforços destes para manter a festa em paz. Eles apelam à cultura, à tradição, e coisas simples como aprender a pedir perdão quando um bate-bola pisa sem querer no outro.

Isso porque, infelizmente, criou-se uma ideia de que os grupos se aproveitam das fantasias para promover violência gratuita. E esses episódios realmente acontecem, por haver muitas quadrilhas disfarçadas nos festejos, com a intenção apenas de praticar o mal. As cenas de brigas entre bate-bolas acabaram misturando a paixão com a habitual violência da cidade, chegando a acontecer até tiroteios e mortes de foliões. A ideia se reforça mais ainda porque a mídia costuma destacar essas coisas mais do que a própria festa. Isso afastou muitas pessoas das ruas, mas é importante destacar que esses maus elementos não representam a maioria, e não podemos deixar essa cultura ser queimada, porque nem todos são marginais.

O carnaval de 2019 se aproxima cada vez mais, e essa longa tradição dos bate-bolas continua firme e forte. Certamente bairros, como Marechal Hermes, Madureira, Bangu, Realengo, Piedade, Jacarepaguá e Cidade de Deus, terão incontáveis turmas saindo pelas ruas, contagiando os moradores e colorindo as vizinhanças, com muita música, festa e paz. A tradição resiste e vamos lutar para mantê-la.