Banalização de nossas vidas e naturalização de nossas mortes

Foto de morador - Maré 2018

“Não existe tiro acidental em bairro nobre”, a frase pode ser batida, porém atemporal. Só que, dentro da realidade carioca pode ser adaptada para “Não existe polícia atirando a esmo em bairro nobre”.

Há duas semanas tivemos duas operações com “Caveirão Aéreo” na Maré. Na primeira uma moradora relatou que a bala atravessou seu telhado de vinco e perfurou o chão de sua casa, onde ela estava com dois filhos. Como ninguém morreu, poucos se assustaram. Na semana seguinte o fato se repetiu, mas com um desfecho arrasador, seis homens adultos foram executados e uma criança,  de 13 anos, morreu enquanto se dirigia para o colégio, ao ser atingida por um tiro de fuzil no peito. Sua última frase foi “ele não viu que eu estava com roupa de colégio, mãe”, dita nos braços de sua mãe.

Essa prática da policial civil esta cada vez mais rotineira, utilizar-se do “Caveirão Aéreo” para operações violentas e agressivas nas periferias cariocas. No final do ano passado uma operação semelhante aconteceu na favela do Jacarezinho, uma operação inexplicável levou a polícia civil a fazer incursões na referida favela logo no final da manhã de domingo, no dia foi utilizado o “Caveirão Aéreo”, anteriormente conhecido como “helicóptero Águia”. Vale lembrar que a mesma dinâmica foi utilizada na morte do traficante Matemático em Maio de 2012, quando em perseguição aérea, policiais atiravam contra um carro em disparada no solo, conforme demonstrado por matéria do programa “Fantástico” da Tv Globo, diversas casas foram atingidas nessa empreitada.

Durante os vôos rasantes por cima da comunidade, policiais disparavam de cima para baixo, na, teórica, tentativa de atingir bandidos em solo. Não precisa ser um gênio da aviação ou atirador experiente para imaginar a dificuldade de se acertar alvos em movimentos também estando em movimento, ainda mais na velocidade em que um helicóptero se desloca.

Até então, você deve se questionar, tratar-se só de mais uma estupidez policial diminuindo suas chances de êxito em alcançar o inimigo, criado, e desejado. Poderia ser só isso, se não fosse o fato de que, não estamos falando de tiros disparados com alto poder de erro em um território de guerra evacuado, estamos falando de bairros residenciais, onde tal prática coloca a vida de todos os moradores que ali estão em riscos.

Voltando ao ponto, não se pode admitir essa total desvalorização da vida na favela, em que a morte de um inocente é banalizada debaixo do manto de combate ao tráfico e ao inimigo número um do Estado. Essa prática, tiros a esmo em local residencial, só é possível em uma cidade onde até a bala perdida tem CEP.