Bairro da Paz Vive!

Integrantes do Bairro da Paz Vive (Foto: Anderson França)

Há um ano o Bairro da Paz começou a ter uma cara nova voltada para cultura, alguns jovens da comunidade se reuniram para trazer suas inquietações culturais nas noites de sábado de cada mês, sempre na conhecida “Praça do Popular”, nome dado como referência à praça localizada em frente a um mercadinho que possui esse nome.

Essa praça tem sido o local escolhido pelos jovens garotos que desejam disseminar a cultura na comunidade através do rap, disputa de mc, grafite e poesia. Coincidentemente o movimento Bairro da Paz Vive(BDP Vive) tem em si a mesma persistência que dá o nome a rua onde fica localizada a praça, resistência. Esse nome foi dado a rua por conta de antigamente a população do bairro resistir em sair da comunidade que antes era uma invasão e resistência os jovens garotos têm tido para manter o movimento cultural sem apoio de político ou patrocínio para fortalecer a cultura local.

A escolha do local aconteceu por questão de logística, pois um dos integrantes – Vinícius de Jesus, 25 – mora próximo à praça e fica mais fácil para levar os equipamentos no dia do evento. Apesar de ser o local de referência quando se fala do BDP Vive, os integrantes já pensaram em fazer o evento acontecer em outras partes estratégicas do bairro, todavia há o problema com a locomoção dos equipamentos, problemas que seriam resolvidos se estivessem um apoio cultural.

A ideia de criar o coletivo Bairro da Paz Vive – composto por Breno Lisbôa, Danilo Lisbôa,José Augusto(Zinho),José Cláudio Onofre(Bisqüi) e Vinícius de Jesus – que no início recebia o nome de A Cultura em Movimento, surgiu a partir de uma insatisfação ocorrida em uma competição de poesia, slam, onde os integrantes do coletivo não concordaram com a decisão dos jurados que não classificaram um de seus membros, mesmo o público o aplaudindo e ficando extasiado com suas poesias.

Esse movimento surge para unir as periferias de Salvador mostrando que as comunidades, muitas das vezes tidas como locais onde só há marginais, tem muitos jovens e até pessoas de idade mais avançada com talento para expor suas inquietações políticas, sociais e sexuais através de seus textos críticos – revelando assim talentos da comunidade e fora dela através de seus trabalhos de poesias, rap e até grafite.

A esquerda Lázaro Silva, morador do Bairro da Paz, e a direita Edson Junior, morador de Castelo
Branco, recitando poesias (Foto:Anderson França)

O BDP Vive é um coletivo que impressiona e deixa maravilhado não só a comunidade pela ousadia dos meninos em trazer a cultura para o bairro, mas também quem vem de fora prestigiar o trabalho deles, artistas locais e de outros bairros.“Eu acredito que é um movimento que não pode parar. Gostei demais e fiquei muito impressionado com o nível intelectual da maioria, especialmente do pessoal da poesia – muito profunda – as meninas muito novinhas, mas se tratavam de coisas muito profundas”, afirma Luis Bandeira, 45, diretor de teatro e morador do Bairro do Rio Vermelho que foi conhecer o movimento a convite de Bisqüi, um dos integrantes do coletivo.

Para Bandeira o movimento de manifestação popular pode tomar uma grande dimensão e acredita que quem ganha com isso é o nível intelectual, pois as pessoas não aprendem os questionamentos todos na escola e para ele é um movimento de desabafo, um recarregar das energias para continuar na luta. “A comunidade é marginalizada como toda comunidade preta e pobre do estado da Bahia, quiçá do Brasil. Mas quando você tem o nível de cultura e o intelecto avançado você suporta, então resumindo: esse movimento é um movimento de desabafo é um recarregar das energias para continuar na luta”, afirma Bandeira. Com os questionamentos das poesias e da música esses artistas se tornam diferenciado, pois pensam diferente da sociedade que está acostumada a aceitar as dificuldades enfrentadas sem expressar sua ideias e inquietações. Mostram que qualquer um é capaz de fazer suas criticas com sua escrita e/ ou música.

Essa foi a edição mais longa em questão de horário e ainda deixou muitos com a vontade de quero mais, como é o caso de Luis Bandeira que saiu do Bairro da Paz meia-noite querendo ficar até mais tarde para ver as outras atrações e tirando da mente das pessoas aquela ideia enraizada que o bairro é um local perigoso. Enquanto muitos vêm a comunidade do Bairro da paz como um local perigoso, há outras pessoas que enxergam um lugar extraordinário: “eu chego aqui e não vejo perigo… essa galera está perdendo muita coisa acreditando que aqui está violento, sendo que aqui é um bairro periférico que está produzindo arte”, relata Edson Junior,30, ator, escritor, poeta e morador de Castelo Branco.

Edson diz que se identifica com o Bairro da Paz por conta das mesmas convicções que tem e por também residir em uma periferia. Seu primeiro contato com a comunidade foi para apresentar um texto de Fernando Pessoa que o deixou muito contente com o grau  intelectual do bairro, pois o texto era de difícil interpretação e a comunidade compreendeu muito bem e alguns até construíram músicas.
Além de movimentar a cultura local e a economia do bairro, o movimento Bairro da Paz Vive tem o trabalho social de possibilitar aos jovens e crianças o acesso à cultura impedindo que eles estejam em más companhias ou fazendo algo de errado.

“É bom porque é inclusão social e ajuda o menor. Em vez de está usando drogas ou roubando, ele está ali curtindo a cultura e incentivando o movimento”, afirma Tomaz Sontos
– Naruto,16, ganhador de 11 edições da batalha de MC.
Segundo Naruto o movimento serve para dar um nome a “favela” e limpá-lo porque para alguns esses artistas são o “resto que sobrou”.
Preocupados não só com os artistas mostrarem seus trabalhos, mas também em valorizá-los, surgiu a ideia de premiar os vencedores das batalhas de mc.
“A premiação é sempre importante para estimular a pessoa. Sair como finalista e não ganhar algo não tem sentido, mesmo que seja algo simbólico”, afirma Danilo Lisboa, 24, um dos organizadores do Bairro da Paz Vive.

Danilo que no momento está cursando Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal da Bahia, UFBA, não é novo no movimento artístico. Seu contato com a arte se dá desde o ano 2009 e além de organizador do BDP Vive ele também compõe músicas, canta, escreve poesias e recita.
Surgido com a proposta inicial de ser de 15 em 15 dias e hoje acontece uma vez por mês por conta das atividades pessoais dos integrantes, o BDP Vive tem uma aceitabilidade/frequência muito boa e sempre deixa o público com o gosto de quero mais, sempre esperando ansioso pela próxima edição. Talvez por trazer algo de entretenimento ou talvez por concentrar os praticantes dessa arte em uma praça pública e sem custo. A divulgação do evento fica por conta de vídeos e fotos nas redes sociais, além dos flyers que deixam as pessoas curiosas para participar do BDP Vive.
Esse não é o primeiro movimento que os organizadores realizam, mas é o que a comunidade tem abraçado de corpo e alma, pois é nele que os artistas do bairro têm visto a oportunidade de mostrar seu trabalho. Contudo, na maioria das vezes os integrantes do BDP Vive enfrentam dificuldades para fazer o evento acontecer e uma delas é a questão de aparelhagem de som.

Para que essa a cultura aconteça na comunidade os jovens pegam uma caixa de som com um, um cabo com outro e fazem a mistura. Isso ocasiona em algumas edições terem a qualidade do som um pouco melhor que a outra, ou seja,quando consegue o apoio seja de outros artistas, amigos e familiares envolvidos.
Apesar desse ano o 07 de outubro cair no domingo, os integrantes realizaram essa edição no sábado, 06/10/2018, mantendo assim o sábado como dia de costume do evento. A primeira edição aconteceu no dia do aniversário de Danilo, 07/10/2018, e por ser algo novo para a comunidade não foi esperado pelos integrantes a quantidade de gente que esteve presente.“O que deixa gente mais satisfeito em relação ao evento é o público. Cada edição a gente se surpreende pela quantidade de pessoas que aparece na praça. A primeira edição foi a mais marcante porque não acreditávamos que ia chegar tanta gente como chegou, a gente acreditava que seria só entre nós mesmo porque o movimento rap aqui em nossa comunidade nunca foi aceito e a partir desse momento que estourou de gente,relata Vinícius de Jesus.
O nome A Cultura em Movimento surgiu por falta de nome, o coletivo precisava ser lançado e surgiu a ideia de um nome improvisado e também a missão de mostrar que a comunidade tem cultura. Ao perceber que o movimento teve repercussão e se passaram dez edições com esse nome o coletivo optou por mudar de nome: “A nossa cultura já está em movimento há muito tempo. Agora vamos conservar o nome Bairro da Paz Vive por toda aquela questão de reconhecimento da comunidade e a questão histórica do bairro”, afirma Vinícius.
A partir daí “A Cultura em Movimente, Bairro da Paz Vive – um título e subtítulo – passa a ser chamada apenas de Bairro da Paz Vive, isso na décima primeira edição, edição essa que foi no lançamento do disco de um dos integrantes do movimento, Breno Lisboa, 22. “Vamos colocar Bairro da Paz Vive para ficar um nome mais curtinho, que valorize o nome do bairro e que dá a característica da resistência e da história do bairro”, ressalta Danilo.
Motivados em querer ver o Bairro da Paz tendo sua representatividade dentro de Salvador e no mapa dos saraus da cidade, seus organizadores na maioria das vezes, apesar de ter suas poesias e músicas, nem sempre têm a oportunidade de se apresentar para dar o privilégio aos artistas da comunidade e convidados, mesmo estando com o nome no flyer como aconteceu nessa última edição com Danilo Lisboa e Vinícius de Jesus que se apresentariam como o Delito poético, mas cedeu a vez aos convidados.
Essa edição contou com cachorros – quentes distribuídos para os que estiveram presentes graças a alguns comerciantes que entenderam o papel do BDP Vive ao se esforçar batendo de porta em porta.
O grupo procura por pessoas para fortalecer não só com o recurso financeiro, mas com o que tiver e até mesmo com a presença. Tendo como exemplo pessoas que saem de seu próprio bairro e tiram o dinheiro do próprio bolso para pagar o transporte e fortalecer o movimento como os grupos Rajadas, Cabeças de Negros e entre outras pessoas que estiveram presentes.
“A gente se mobilizou para ir aos estabelecimentos pedir uma ajuda, mas como não tivemos tempo suficiente para fazer isso eu fui em alguns estabelecimentos e nos poucos que eu fui houve a contribuição como o DAMIC – materiais de construção- que contribuiu com cem pães, a Loja de 10 que doou duas camisas para o campeão e vice-campeão das batalhas de mcs, o Mundo das capas que contribuiu com 1kg de salsicha, a Barbearia Mil Grau e todos os outros que seu falar não vão caber na matéria”, afirma Vinícius de Jesus.
No começo havia uma dinâmica em distribuir pirulitos para quem recitava, e as premiações para os ganhadores das batalhas de mcs que vem acontecendo até hoje, mas com esse um ano de evento foi se pensado em chamar a comunidade para ajudar o movimento e então foi tomada a ousadia em ir aos comércios e falar do projeto pedindo ajuda. Uma coisa é certa: O BDP Vive tem revelado vários talentos do Bairro da Paz que vêm no movimento uma oportunidade de se fazer ouvir. Apesar da pouca idade,uma das atrações que levou o público aos gritos e aplausos com sua poesia, Lívia Silva -17 – moradora do Bairro da Paz – reforça importância do evento para comunidade.

Lívia Silva,17, moradora do Bairro da Paz.

– Você enquanto poetisa, o que acha desse movimento?
– Eu acho importante não só para mim sabe, acho importante também para a comunidade porque visa as oportunidades e principalmente quando vem pessoas de fora,pois mostra que nosso bairro tem muito mais movimentos pacíficos do que julgam lá fora.
– E qual a importância, em sua visão, desse movimento pra comunidade?
Acho que a questão da oportunidade mesmo por que quantas pessoas não têm voz na sua própria casa e vai para o sarau expressar aquilo que ninguém antes queria ouvir. Então além de trazer conhecimento para todos através da arte, dar-nos espaço para mostrar que temos cultura e que estamos sempre dispostos a aprender com o outro.
– Como se sente ao poder mostrar seu trabalho em praça pública e o que te impulsiona a escrever?
Eu me sinto honrada e feliz. Poder mostrar para todos algo que eu fiz e ser aplaudida por isso, receber agradecimentos, quando era para eu estar agradecendo, é gratificante. E é justamente isso que me leva a escrever cada vez mais, saber que outras pessoas irão se identificar e acolher minhas poesias.

“Então é complexo. É difícil não ter o apoio, acaba sendo sempre um barco ali ventando em tempo de ficar com o casco para cima,mas a gente segue firme aí navegando, é isso”, Danilo Lisbôa.
Assim segue o Coletivo Bairro da Paz Vive, com muita resistência e dando oportunidade aos artistas mesmo enfrentando as dificuldades que há e deixando sempre um gostinho de quero mais após a finalização de cada edição.

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Anderson França
Jornalista, Ator e Técnico em Segurança do Trabalho. Em sua trajetória realizou trabalho social como professor voluntário e ainda realiza na comunidade do Bairro da Paz, além do trabalho voluntário com pessoas em situação de rua através do Centro POP em Itapuã, Savador/BA, nos anos de 2017 e 2018. Integrante do coletivo Bairro da Paz News, meio de comunicação do Bairro da Paz. Possui três canais no youtube, sendo dois deles de comédia, Todo se Achando mais e A Resenha TV BA (esse último com amigos) e o terceiro que é voltado para divulgar seus trabalhos com divulgações e os textos que escreve.