As diversas constituições mantiveram a democracia brasileira em xeque

Assembleia Constituinte de 1823, dissolvida por D. Pedro I - Reprodução

A democracia nunca foi tão atacada desde a redemocratização do país como agora, inclusive com o presidente da república Jair Bolsonaro apelando ao art. 142 da Constituição na defesa de que as Forças Armadas poderiam ser o poder moderador do estado democrático de direito, o que não seria novidade na história do país. Profissionais e entidades do meio jurídico rechaçaram essa ideia.

Na primeira constituição brasileira, em 1824, com D. Pedro I, esse poder estava no art. 10°, o qual era superior aos três poderes idealizados, usados atualmente no país, por Montesquieu: executivo, legislativo e judiciário. Além disso, era soberano e exercido pelo do imperador, que podia dissolver a Câmara dos Deputados, suspender Magistrados, nomear senadores. Na realidade, D. Pedro I não gostou do texto constitucional preparado pelo legislativo e baixou a Constituição que entendeu melhor não para o país, mas para ele.

a segunda Constituição surgiu com o fim da monarquia. O Brasil passava por um momento de transição do regime monárquico para o republicano e, desta maneira, precisava mudar a Carta Magna que regia o país desde 1824 e criar uma Constituição que ajustasse à nova realidade. Foi escolhida uma Assembleia legislativa que elaborou a nova Constituição em três meses. Na verdade, grande parte da redação ficou a cargo dos juristas Rui Barbosa e Prudente de Morais.

A nova Constituição se inspirou, entre outras, na Carta Magna dos Estados Unidos, tendo como eixo a federalização dos Estados e a descentralização do poder. Inclusive o nome do novo país recebeu influência americana, pois foi denominado “Estados Unidos do Brasil”. Em 24 de fevereiro de 1891 foi aprovada e promulgada a nova Constituição do Brasil. Esta seria alterada em 1926 e revogada quatro anos mais tarde por causa da Revolução de 1930.

Em 1934 nova Constituição foi construída, mantendo tópicos da Constituição de 1891, como república federativa com sistema presidencialista de governo e inserindo importntes novidades, como voto secreto, voto feminino, legislação trabalhista, autonomia dos sindicatos, defesa das riquezas naturais do país, criação da justiça eleitoral e obrigação de empresas manterem dois terços de empregados brasileiros.

É inegável que essa constituição, liberal e progressista em relação aos direitos trabalhistas, refletia, de certa maneira, o populismo e o nacionalismo econômico tão característicos da Era Vargas, de forma que Getúlio conquistou a simpatia de grande parte da população brasileira. Mas, o governo constitucional de Vargas durou apenas três anos, devido ao golpe de Estado que ocorreria em 1937 e implantaria nossa primeira ditadura, invalidando essa Constituição.

Em 1937, Getúlio Vargas concretizou o golpe do Estado Novo, que iniciaria um período de ditadura até 1945. Curiosamente, essa ditadura estava prevista na Constituição, que legitimava os poderes absolutos do ditador, enquanto direitos humanos eram violados pelo aparelho repressor do estado – a Polícia Especial. A Constituição de 1937 recebeu o apelido de “Polaca”, por ter sido inspirada no modelo semifascista polonês, era autoritária e concedia ao governo poderes praticamente ilimitados.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e do Estado Novo getulista, novos ventos trouxeram ao país a Constituição de 1946, que pode ser vista como liberal e adequada ao contexto da redemocratização. No entanto, seus itens começaram a ser considerados inválidos a partir de 1964, com a criação dos Atos Institucionais do regime militar.

O fato desse curto período democrático ter desmoronado apenas 19 anos mais tarde nos mostra que a nova democracia liberal brasileira apresentava falhas e não possuía bases sólidas que a fizessem mais permanente. Nesse sentido, é importante notar que o candidato à presidência eleito em 1945, o general conservador (PSD) Eurico Gaspar Dutra, que veio a assumir a presidência em 1946, havia sugerido, no contexto da Segunda Guerra, que entrássemos no conflito ao lado dos nazistas. Ele também esteve envolvido na montagem do Estado Novo. Por isso, pode-se observar que essa liberalização política do Brasil foi chefiada pelos elementos mais conservadores que haviam apoiado a ditadura Vargas.

Na ditadura brasileira (1964-1985), os militares das forças armadas conduziram o país por meio dos Atos Institucionais, dos quais resultou a Constituição de 1967 que reunia medidas ditatoriais e  deixava claro o poder dos militares sobre direitos como: suspensão de direitos políticos, suspensão de Habeas Corpus e etc. Assim, com esses poderes, os ditadores praticavam um tipo de poder moderador indireto e disfarçado, mas não tão escancarado como na Constituição imperial.

No Brasil polarizado entre direita e esquerda, o debate político sobre a volta da ditadura ganhou força. A OAB emitiu um parecer ratificando que a constituição não prevê um poder moderador. Até generais, como o ex-ministro chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Santos Cruz, rechaçam a ideia de intervenção militar. Em artigo na imprensa no último dia 28, escreveu:

“As Forças Armadas são instituições permanentes do Estado brasileiro e não participam nem se confundem com governos, que são passageiros, com projetos de poder, com disputas partidárias, com discussões e disputas entre Poderes ou autoridades, que naturalmente buscam definir seus espaços e limites. No jogo político, muitas vezes os atores são levados por interesses de curto prazo, influenciados por emoções, limitados por suas convicções. Isso é normal no ambiente democrático.(…)”
A posição do general é clara e ele goza de grande prestígio entre seus pares no Exército, mas a vocação golpista do presidente da república e o apoio que tenta angariar nas ruas põem, mais uma vez, a democracia em xeque no país.