Artigo: O doce que mata

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Há algum tempo atrás, eu assisti o filme: The boys in the band (com a direção de Joe Mantello e estrelando Jim Parsons, 2020), cujo enredo é uma comemoração do aniversário de um dos personagens, onde se encontram sete amigos gays, que passam a festa toda se ofendendo, se humilhando, se ferindo, muitas vezes, chegam até ser impiedosos, perversos e desumanos entre si.

Um olhar e ouvidos insensíveis, poucos analíticos, ou seja, não treinados a ver o que estar escondido nas entrelinhas e escutar o que não é falado, mas, que é dito, ou um tanto quanto homofóbico, como é da maioria, a pessoa dona desses olhar e ouvidos ao assistir, pode pensar: “Nossa, como os gays, podem ser cruéis com eles mesmos!”. Mas, a própria narrativa traz à tona uma questão, que merece ser discutida profunda, minuciosa e diariamente.

Como um/uma homossexual pode se odiar tanto a ponto de ferir tudo que se pareça consigo próprio/própria? É dolorosamente simples, ele/ela passara a sua vida inteira com todos lhe ensinado que tudo que ela/ele é, e, sente, que lhes representa, é: ruim, negativo, feio, nojento, antinatural, demoníaco e pecaminoso. Então, para sentir-se menos uma aberração, um fracasso, ele/ela precisa fazer com quem estiver ao seu redor sinta-se sempre mais inferior, para que ele/ela sinta-se um pouco menos miserável!…

Então, depois do filme, eu pensei: “Quantas pessoas no mundo são ensinadas a se odiar desde cedo?” Por isso, há tantas pessoas agressivas, maldosas, tristes, melancólicas nesse mundo…

Nós, os heterossexuais ensinamos aos gays a se odiarem. E muitos se odeiam demais, ao ponto de gostar, de ser fã de quem “canta” as suas mortes. E, como se isso não fosse o bastante, para arruinar uma existência toda, porque quando fazemos isso, estamos dando um carrasco de estimação para a pessoa. E, ele os perseguem até o derradeiro dia de sua vida.

Nós, também, damos legitimidade de toda e qualquer violência de uma sociedade inteira contra eles/elas quando repetimos de maneira acrítica, burra e perversamente um texto sem nenhum contexto, sem um zelo histórico, social e cultural. Quando se diz, que ser gay é sujo, indigno, abominação, e, sobretudo, maligno. É o aval, para se exterminar essa figura, pois, seres humanos, para livrar-se da angústia de uma futura culpa, coisifica, animaliza ou demoniza.

Negros africanos já foram gados. Judeus, ratos. E mulheres, bruxas, as noivas, de Satã. Ou seja, escravização, genocídio, holocausto e fogueiras intermináveis devorando corpos ainda vivos! Tudo foi legitimado por causa de um discurso. E um discurso jamais tem uma voz única.

Entre a multidão brasileira ruidosa, furiosa, sedenta, violenta, sombria e assassina de gays (a nação, que mais mata LGBT’s no mundo) estar a voz doce e cordata da cantora gospel, Bruna Karla, que nos últimos dias falara que os gays são amaldiçoados, que estão condenados a um sofrimento eterno e disse para seus amigos homossexuais, que eles precisavam de libertação.

A artista evangélica pode até não ter responsabilidade legal, mas, no mínimo, tem a moral. Como uma figura pública, ela agrega, alcança milhares de pessoas, forma opinião e chancela uma ideia. E nós não podemos jamais esquecer, que uma ideia dá base a um discurso, e um discurso, gera comportamentos. Comportamentos podem destruir vidas, famílias e toda uma geração.

E todo esse discurso raso, odioso e violento está baseado em uma leitura fundamentalista (literal) da bíblia, que sob a ótica psicanalítica diz que um dos motivos disso são frustrações paternais mal resolvidas. Uma neurose infantil, segundo Freud. Esse tipo de leitura cria no sujeito graves danos nos seus processos cognitivos, porque lhe dá uma visão de mundo infantiloide, onde tudo é regido por um binarismo simples, fácil e de solução rápida, um maniqueísmo que não cabe mais nem em conto de fadas.

Tudo é resumido em mal, bem, errado e certo. Mas, quem decide isso? Matar uma mulher em nome da honra já foi certo. Em uma leitura fundamentalista nada é complexado, abstraído ou aprofundado. Não se concebe, que a sociedade é um organismo vivo, e, estar em constantes movimentos e mudanças.

Mas, em uma coisa, eu concordo com a cantora, que esses amigos homossexuais dela, realmente, necessitam de libertar-se. Libertar-se dessa amizade, que tem com ela! Uma amizade, que fere e inferioriza eles. Com certeza, se sentirão bem melhor. Porque pessoas como Bruna, não compreendem que o Cristo não veio criar uma elite, uma casta superior, mas veio como um subversivo e radical, para fazer do mundo melhor, para todos.

Não à toa escolheu vim (de acordo com a bíblia, que a mesma lê de maneira literal) com uma representação social, de um homem pobre, não branco e de uma região de pouco prestígio. Será tão complicado entender isso?

Para concluir, qualquer danação eterna, de puro sofrimento, que não tiver a doce voz, mas enjoativa de Bruna Karla, a condenação será bem mais suportável!

Este texto contém a opinião do autor: B.I.F. da Gama

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