Advogada Valéria Santos e a força da mulher negra para mover as estruturas

A advogada Valéria Lucia dos Santos, 48 - Zô Guimarães/Folhapress

Na semana em que o assassinato de Marielle Franco completa 6 meses, e permanece sem solução, mais uma mulher negra que ocupa um lugar que a sociedade insiste em entender como não sendo seu, sofre com o racismo estrutural e estruturante de um país que insiste em querer viver a falsidade do mito da democracia racial.

A advogada Valéria Lucia dos Santos, 48 anos, foi jogada ao chão e algemada enquanto exercia sua profissão ao participar de uma audiência no fórum de Caxias na última segunda-feira, dia 10/09/2018. Ao que se sabe, a confusão se iniciou após a juíza leiga – um advogado que serve temporariamente de auxiliar do juiz efetivo e concursado – não permitir a Dra. Valéria o acesso a petição de defesa da parte contrária, a advogada recusou-se a sair da sala sem a presença do delegado da OAB (pessoa responsável por resguardar os direitos do advogado no exercício funcional), quando a juíza leiga chamou os policias.

Valéria Santos é uma advogada negra de 48 anos, moradora da baixada fluminense, mãe de dois filhos e ex-jogadora de basquete. Morou por cerca de 10 anos nos EUA após conseguir uma bolsa de estudo, onde conheceu o pai de seus filhos e se casou. Ao separar, retornou com as crianças ao Brasil, no ano de 2005 após sua mãe ser diagnosticada com câncer quando decidiu voltar a estudar e cursa direito, sendo a primeira de sua família a alcançar uma faculdade. A violência estatal e o medo de perder seus filhos para a criminalidade fez com que ela “abrisse mão” deles, permitindo que fossem morar com o pai nos EUA há 7 anos, desde então não os vê.

Retirando a parte de viajar aos EUA e ter filhos americanos, a história de Valéria se confunde com as histórias das mulheres negras no Brasil. O medo de perder o filho, seja para a violência seja para o crime, é contínuo, Valéria se valeu da alternativa de deixá-los viver com o pai. Certamente pensando que a distância dói menos que a perda.

No início do mês de agosto a vereadora Talíria Petrone de Niterói também sofreu com o racismo estrutural e a violência do Estado enquanto panfletava no Centro do Rio. Talira que também é negra, foi detida e levada a delegacia sem cometer ilícito nenhum, apenas por liberalidade e abuso de poder de um oficial da Polícia Militar não satisfeito com o fato de ela panfletar sua campanha a cadeira de deputada federal pelo PSOL.

Talíria, Marielle, Valéria… Três mulheres negras que insistiram (e louvamos a força e insistência) em ocupar um lugar que lhes foi tirado, sofreram com a resposta violenta e racista do Estado e da sociedade. Tenho certeza que se Marielle tivesse sobrevivido não teria abandonado sua caminhada e sua vida pública. Talira e Valéria se mantêm de pé, sabem que não foi a primeira nem será a ultima vez que tentam a força tirá-las do lugar que é seu por direito, o lugar de ocupar cada espaço dessa cidade, cada profissão existente, realizar qualquer desejo que eventualmente possuam sem que tenham que pedir permissão. Tudo lhes é possível.

A mulher negra está na base da pirâmide da estrutura social, possui os menores salários, os empregos mais precarizados, é a maior vítima de violência como feminicídio e estupros, entretanto, ainda assim, se mantém de pé. Resiste. Esses três casos materializam o que já sabemos, quando uma mulher negra ocupa um lugar que no imaginário da branquitude não a pertence, um lugar onde não é desejado sua presença as forças do mal reagem com uma força ainda maior. Mas elas resistem e continuam em movimento. Como dito pela escritora americana e negra Angela Davis “Quando uma mulher negra se movimenta toda e estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras”. A força, coragem e resistência de Valéria movimentou as estruturas do Rio de Janeiro nessa semana, que a gente dê continuidade.