Acessibilidade nas favelas

Hernando Faustino enfrenta diariamente obstáculos para se locomover dentro e fora da favela onde mora - Foto: Jacqueline Silva

Os desafios de quem precisa se locomover com cadeira de rodas

Não é fácil a vida dos cadeirantes nas principais cidades do Brasil, ainda mais quando eles são moradores de favelas, como Hernando Faustino Guilherme, de 39 anos, que tem paralisia cerebral.

Morador da favela Vila Clara, na Zona Sul de São Paulo, ele conta que há dois anos caiu da cadeira de rodas ao tentar subir a calçada, que não tinha rampa de acesso. Desde então, passou a usar capacete e cinto. Hoje, ele tem uma cadeira motorizada, fornecida pelo governo, que permite subir a ladeira da rua onde mora com autonomia, mas ainda enfrenta muitas dificuldades para transitar no bairro e não se sente seguro para descer sozinho a ladeira.

“Aqui temos muitas ladeiras, curvas acentuadas, calçadas ruins e asfalto com buracos e não tem um projeto específico de acessibilidade”, comenta. Hernando ainda ressalta que nem todos conseguem ir à rua como ele e cita o caso de um colega, que também ganhou a cadeira motorizada, mas não sai de casa porque mora em um escadão na favela.

Arquitetura da favela

De acordo com a arquiteta e urbanista, Laura Machado de Mello Bueno, professora da PUC-Campinas, que coordenou o programa de urbanização de favelas, entre 1989 e 1992, a estrutura de uma favela não é muito diferente de uma cidade colonial antiga. Ela é tortuosa e com dificuldades de acessibilidade, mas o problema na favela é a precariedade e o adensamento das construções, o que dificulta um trabalho de adaptação dos espaços. “É um desafio muito grande, mas tem solução do ponto de vista técnico”, garante Laura.

No entanto, para a arquiteta, as adequações propostas pela legislação nacional de acessibilidade se tornam inviáveis de serem aplicadas do ponto de vista econômico e social porque os padrões propostos são muito altos e idealizados para construções novas e de como uma cidade deveria ser e não como as cidades são.

“As prefeituras deveriam começar a incorporar ações concretas, não apenas normativas, pois, em algum momento da vida, as pessoas vão precisar da acessibilidade, seja uma mulher grávida, uma pessoa que quebrou a perna, um idoso. As cidades já existem, elas precisam de ser adaptadas”, diz Laura.

Uma favela mais acessível

Em relação especificamente às favelas, ela ressalta que não é possível abordar os problemas de acesso dos deficientes de forma genérica, pois, cada favela tem a sua estrutura geográfica, socioeconômica e cultural. No entanto, existem possibilidades simples e de baixo custo que podem impactar no cotidiano dos moradores com necessidades especiais, como é o caso da microacessibilidade.

Essa estratégia consiste em criar rotas acessíveis para que as pessoas com dificuldade de locomoção se desloquem de suas casas até um local público. Entre elas, pode-se citar: construção de viela, rampas, adaptação das escadarias, pontes pequenas que passem sobre córregos, entre outras.

Foto: Jacqueline Silva

Hernando concorda que pequenas mudanças podem dar mais autonomia às pessoas com deficiência em seus territórios, mas, para ele, nesses 20 anos da lei de acessibilidade, só o transporte público apresentou mudanças para melhor. Ele acredita no poder e responsabilidade da comunidade em buscar melhorias, por isso chegou a mobilizar gestores de uma escola para construção de uma rampa, que até o momento não foi finalizada.

“Eu gosto da sensação de ir e vir sem depender de outras pessoas, mas já perdi muitas oportunidades de estar em sociedade pela falta de adaptações simples, como uma rampa. Gostaria de fazer mais coisas, mas me sinto como um grito sufocado”, desabafa.

Laura esclarece que quando a comunidade percebe a necessidade de ajustes e modificações no bairro, ela pode recorrer à Lei 11.888, de 24 de dezembro de 2008, que assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social. Assim, através do diálogo entre a população e um contingente técnico de pessoas da área da construção civil é possível desenvolver e implementar ações concretas sobre a questão da microacessibilidade, sem depender apenas do setor público.

Lei de Acessibilidade

Dia 3 de dezembro é comemorado Dia Internacional das Pessoas com Deficiência.

Segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 13,2 milhões de pessoas afirmaram têm algum grau de deficiência motora, o que equivale a 7% dos brasileiros.

A Lei de Acessibilidade nº 10.098, completa 20 anos. Aprovada em 19 de dezembro de 2009, mas regulamentada quatro anos depois, visa promover a acessibilidade de deficientes, bem como de pessoas com mobilidade reduzida, através da adaptação dos espaços púbicos, mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.

Matéria originalmente publicada no jornal A Voz da Favela de dezembro.

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