A desapropriação do Pinheirinho e a inércia da sociedade

Enquanto fatos inúteis repercutem no país como suposto estupro de BBB, causando comoção popular, outros de maior relevância parecem não ter significado nenhum para as pessoas. Como seria interessante se a opinião pública tivesse a mesma motivação para se manifestar em apoio a causas como o drama vivido pelos moradores do Pinheirinho, a corrupção ou a luta pela efetividade dos seus direitos.

Ao contrário disso, estamos cada vez mais egoístas e indiferentes com o outro, acomodados no conforto das nossas casas, despreocupados com os que não têm nem mesmo um teto para se abrigar. Será que você já parou para pensar quantas famílias vivem nas ruas ou em moradia precária sem conforto, segurança ou condições dignas?

No ultimo domingo, 22, cerca de 7 mil pessoas que viviam na área invadida conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos, interior de São Paulo, foram removidas da região em uma operação da PM. A área de 1 milhão e 300 mil metros quadrados pertencia à massa falida de uma empresa do especulador Naji Nahas e foi ocupada em 2004 por um grupo ligado ao Movimento dos trabalhadores-sem-terra, passando a ser disputada na justiça desde então. A justiça que deveria ser guardiã do direito é a mesma que desprovê o cidadão da garantia dos mesmos.

O art. 6º da Constituição Federal determina entre os direitos sociais e fundamentais, a moradia. Além disso, o art. 1º estabelece como fundamento da Republica Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana. Mas como acreditar em dignidade enquanto no Pinheirinho milhares de famílias foram desapropriadas à base de tiros, violência e morte? E onde fica a dignidade da pessoa humana em relação aos moradores de rua ou a população que vive em locais de risco? A moradia para grande parte dos brasileiros é sinônimo de morros e favelas, em que falta água encanada, luz elétrica, saneamento básico e a ausência de segurança, o que representa uma violação ao direito social e ao principio da dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana está relacionada ao respeito aos direitos fundamentais e podemos identificá-la quando esses direitos são garantidos e assegurados de forma plena. Trata-se de valor supremo pertencente ao cidadão independente de qualquer requisito ou condição como etnia, sexo, nacionalidade ou posição social, garantindo a todos direitos iguais. Mas como podemos dizer que isso funciona na prática, visto que existem tantas desigualdades? Seria a dignidade da pessoa humana apenas um valor ideológico?

É contraditório acreditar em direitos os quais não estejam ao alcance de todos e deixam parte da população à margem de uma condição digna de sobrevivência.  No Brasil, de acordo com dados do IBGE, 83% das pessoas não têm casas ou moram em condições precárias, além disso, parte dessa população vive com renda familiar mensal de até três salários mínimos. O país ainda tem um déficit habitacional de 5,6 milhões de domicílios. Além disso, pesquisas apontam mais de 30 milhões de pessoas sem teto no Brasil.

As desigualdades na distribuição de renda associada à ausência de políticas públicas violam os direitos humanos e sociais, o que faz com que uma parcela da população não tenha uma moradia adequada para que possa viver dignamente. Essa situação obriga a ocupação de áreas insalubres ou de risco.

A população necessita de condições digna de moradia e isso não significa ter apenas uma casa para morar, mas também locais em que ofereçam infraestrutura para ter habitação de qualidade, que sejam próximos aos centros comerciais possibilitando o acesso, que tenha conforto, segurança, insiram os indivíduos na sociedade e no mercado de trabalho. O investimento nessas condições de moradia representa o combate a problemas sociais graves, sendo eficaz para a diminuição da desigualdade e conseqüente criminalidade.

As políticas públicas são insuficientes, então o que podemos fazer é ter ânimo e coragem para lutar por um país melhor, cobrando dos nossos representantes soluções e melhorias nas políticas habitacionais. “Todo poder emana do povo” e isso não é utopia, basta recordarmos de movimentos civis como “Diretas já”, em 1983, e o movimento “caras pintadas”, em 1992, os quais milhares de pessoas foram às ruas reivindicar e lutar para que fosse válida a vontade popular. A efetividade dos nossos direitos e a extensão deles à todos deveria também ser algo pelo que devemos buscar. Onde perdemos a coragem e ousadia de lutar pelos nossos ideais? Até quando iremos nos acomodar e continuarmos indiferentes com as populações que vivem desabrigadas e desprovidas dos seus direitos?

A soberania constitui-se a vontade popular e se tivermos garra para lutarmos poderemos construir um país mais justo e igualitário, sob os preceitos da democracia. Temos duas alternativas: acomodamos-nos e ignoramos os problemas dos que vivem ao nosso redor ou buscamos o desenvolvimento social do nosso país, o qual nos permita a diminuição da desigualdades e conseqüente criminalidade.