A conquista e a liberdade de um homem do Andaraí

Vanda dos Santos Cruz, conhecida popularmente como Vandinha,. Créditos: Luiz Paulo do Nascimento

Vanda dos Santos Cruz, conhecida popularmente como Vandinha, conta que sua bisavó
Galdina – nome que significa Comandante -, vivia em uma fazenda no Andaraí Pequeno,
conhecido hoje por Varandinha, no Alto da Boa Vista (lugar em que até hoje existe ferramenta de tortura de escravos). Sua avó Galdina teve um filho chamado José, o Zeca, e aí começa a história.

Zeca nasceu no ano de 1864, na fazenda do Andaraí Pequeno, hoje Floresta da Tijuca, que faz fronteira com o Andaraí Grande. O avô Zeca contava para seus filhos e netos que veio dessa fazenda com sua mãe Galdina ainda menino, saindo na parte alta do Andaraí Grande, onde formou sua família junto à mãe. Essa foi a única história relatada por Zeca para sua família.

No alto do morro, no Canto da Pedra, construiu sua casa. Fez daquele lugar seu habitat. Sua mãe Galdina era parteira dos poucos habitantes que ali sobreviviam. Zeca construiu uma caixa d’água que era abastecida por nascente. Mais tarde, passou a fornecer água para os vizinhos, com o crescimento da população. A caixa existe até hoje e abastece os moradores. Ele acolhia pessoas que lhe pediam ajuda para dormir e de manhã bem cedo acordava todos com a frase “é hora de trabalhar”. E um respeitava o outro.

Zeca vivia do plantio e criação de animais. Cuidava de tudo com carinho e não deixava
ninguém tocar em sua plantação sem sua permissão. Com muito sacrifício, buscava dar o melhor à sua família, dando tarefas todos os dias aos seus netos que levavam até ele milho para alimentar seus animais.

Vandinha, a neta caçula, levava o seu saquinho com todo cuidado e com muito carinho para seu avô Zeca. Mas quando passava por baixo da jaqueira, o saco furava e o milho ia caindo no caminho. Isso acontecia todos os dias, e seu avô já falava “lá vem a negrinha”, como ele carinhosamente a chamava. Vandinha chegava com o saco sempre furado, e voltava chorando.

“Minha mãe dizia para eu não chorar por que isso acontece, e isso ficou marcado”, diz rindo ao relatar esse momento.

Sua mãe Minimozina, filha de Zeca, nasceu em 1928, quando seu pai tinha 64 anos.
“As noites eram iluminadas por fogueiras para clarear o local”, conta Vanda muito emocionada. Ela conta que junto à sua mãe, certa noite, no alto do morro, algo desceu como se fosse um balão, e as crianças correram para pegar. Ao ver que aquela iluminação não era balão, iluminando bem em cima das crianças, sua mãe gritou: “Valei-me, Nossa Senhora”. E começou a gritar para as crianças voltarem. Elas voltaram correndo e aquilo foi embora e sumiu no céu. Ate hoje, ela não sabe o que foi aquilo e, com os olhos lacrimejando e muito nervosa, conta essa experiência. Seu avô Zeca, sentado na cadeira próxima a fogueira, dizia:

“Vocês querem ver tudo e as coisas que não conhecem”, essa foi sua única frase de seu avô naquele momento. Zeca morreu com 104 anos, em 1968, e Vandinha tinha 15 anos. Hoje, sua mãe Minimozina, 88 anos, não lembra a idade com que faleceu sua vó Galdina, que por anos fez tantas vidas vir ao mundo. Tudo isso ficou marcado em sua história que, gentilmente, abriu o passado com lembranças que nem seus filhos e netos conhecem.

Hoje, Vandinha, bisavó, poderá mostrar à sua família, através desse relato histórico, a vida de um homem que rompeu barreiras para buscar no futuro uma vida melhor para sua mãe fora da escravidão.