Vidas nas favelas importam

Créditos: Bruno Itan

Os últimos dias, como um reflexo de anos de desrespeito, provam: a vida na favela não vale nada para o Estado. Só isso justifica o pacote de maldades a que as Secretarias de Segurança Pública submetem quase 1/3 da população carioca há décadas. À parte as disputas violentas causadas pelo tráfico de drogas, o Estado é o grande violador dos direitos dos cidadãos. Minimamente, ele devia zelar por quem o sustenta, mas não é isso que acontece.

Depois dos ocorridos na última semana em diversas localidades do Complexo do Alemão, moradores e ativistas dos direitos humanos se uniram para levantar a campanha #VidasnasFavelasImportam. A principal missão é fazer barulho e chamar a atenção para o que deveria ser óbvio: todas as vidas importam, afinal, a realidade se apresenta de maneira diferente. O valor de uma pessoa na sociedade, principalmente no Rio de Janeiro, tem nome, sobrenome e CEP. A vida de um favelado vale menos que qualquer coisa. O favelado é o incômodo social, é a pobreza que grita e que o asfalto finge que não vê. É a representação da ausência de um Estado que só nos usurpa e nada nos oferece, exceto bala e desgraça.

O desprezo e as agressões aos moradores de favela no Rio não são uma política de governo. Trata-se de uma política de estado, que perpassa ininterruptamente há quase 25 anos todas as chefias na segurança pública. A favela não é vista como parte da cidade. Favelado é cidadão de segunda classe, ainda que trabalhe e pague impostos como qualquer outro carioca. A cidade não busca se integrar às áreas pobres que são dela parte fundamental e que fazem a roda girar. A repressão é a única linguagem que o Estado, desde as remoções de cortiços no século passado, sabe utilizar.

Incursões policiais a qualquer dia da hora e da noite, execuções sumárias, arbitrariedades, abuso de poder – alguém consegue imaginar tudo isso no Leblon? A morte de um jovem em um assalto em Laranjeiras vale mais do que o assassinato de 18 pessoas no Complexo do Alemão desde o início de 2017. A guerra na Síria atrai holofotes e até campanha de crowdfunding. E os irmãos que morrem nos becos a poucos quarteirões de sua casa, cara pálida?

As famílias sofrem de maneira igual. Não existe normalidade na violência e na morte. Não pode existir. Nenhum assassinato há de ser em vão. A cidade inteira deve chorar quando alguém morre de maneira estúpida, vítima de uma guerra fracassada que não lhe é particular e que só ainda ocorre para encher os bolsos de alguém em uma cobertura de frente pro mar e nove dígitos na conta bancária. Não importa quem seja – estamos falando não apenas de cidadãos, mas de seres humanos que sangram como qualquer um.

Não queremos compaixão. Queremos igualdade, direitos, atenção na mesma proporção. Porém, enquanto a favela for vista como inimiga da cidade, nada vai mudar.