Vem ni mim que eu sou passinho

Créditos: JP Black

O passinho trilha caminhos cada vez mais distantes. Depois de virar até espetáculo no exterior, a dança que vem das favelas agora adentra as portas da academia. Vem ni mim que eu sou passinho é o título da dissertação de mestrado defendida pelo dançarino Hugo Oliveira na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Dançado nas favelas, bailes funk e festas, o passinho se manifesta nos corpos de seus dançarinos numa mistura de ritmos como frevo, capoeira e kuduro. Não se sabe ao certo a data precisa em que nasceu esse fenômeno, mas tudo começou bem no início dos anos 2000. Os primeiros vídeos a rodarem nas redes sociais saíram da Favela do Jacarezinho por volta de 2004. Naquela época, o MSN e o extinto Orkut eram os canais onde os registros de dança dos jovens se proliferavam.

Para o agora mestre Hugo Oliveira, o passinho tem sua formação embasada em três elementos principais, que confluem entre si: redes sociais, arte (música, bailes, bondes) e cidade (favelas). Ele também destaca que essa dança quebrou barreiras simbólicas entre favelas e também significa construção de identidade e ressignificação de território. “(É) uma ferramenta que possibilita infinitas possibilidades”, opina Hugo, que conheceu o movimento em 2010, quando já era profissional de dança. Ele pesquisou o movimento no Curso de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades da UFF.

Esse movimento também é representado por muitas meninas. Uma delas é Leandra Perfects, 32 anos, que já dançava quando conheceu o passinho também pelas redes sociais. No início, não lhe chamava atenção, mas bastou que ela e sua irmã assistissem a um vídeo: “Depois de ver de perto, é impossível não se apaixonar pela dança e costumes que foram construídos”. Olhando para frente, ela deseja que os jovens de periferia e favelas tenham esse movimento como lazer e ainda mais como profissão.

 

Profissionalização e popularização

Créditos: JP Black
Créditos: JP Black

Profissão, o passinho já é. Com o ingresso de pedido ao Sindicato dos Profissionais da Dança do Estado do Rio de Janeiro (SPDRJ), o passinho passou a ser uma modalidade. Os dançarinos agora já podem ser sindicalizados e obter o registro do DRT, que é a carteirinha de artista-dançarino. Muitos deles têm utilizado o registro para serem liberados pela polícia durante as abordagens e revistas frequentes nas favelas onde vivem.

O fato de o passinho ter se tornado muito popular é também uma desvantagem para quem já está na pista faz tempo. Os dançarinos reclamam que existe uma gama de pessoas de fora se apropriando e ensinando a dança em academias sem ao menos conhecer o básico. É o ônus de estar na moda.

 

Passinho em dois passos

Para quem não sabe, os movimentos básicos do passinho são dois: a rabiscada e o sabará. Rabiscada é a simulação de uma riscada de fósforo com o pé no chão. Já para fazer o sabará é preciso deixar um pé parado enquanto o outro se move para o lado, em seguida para frente, novamente para o lado e, por fim, para trás. Complicou? Então, é só lançar na internet e encontrar milhares de vídeos com o nosso movimento popular, o passinho.

 

Só relíquia

Os dançarinos de passinho têm uma expressão para chamar seus veteranos. “Relíquias” são os precursores da dança. Iguinho Imperador, Cebolinha e Samuca são alguns deles. O mais lembrado e reverenciado é o Rei do Passinho, o falecido Gambá.

 

Publicado em outubro de 2017 no jornal A Voz da Favela