Tudo continua como antes? Talvez, pior

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“A realidade carcerária do país é nefasta e odiosa”
(Lemos de Brito, Os Sistemas Penitenciários do Brasil – 1924)

13 anos atrás, quando presidia a AFAP/RJ – Associação de Familiares e Amigos de Presos do Estado do Rio de Janeiro, eu já dizia: o Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro passa por um momento delicado e problemático, formado por um público basicamente jovem e ocioso, que está em constante estado de cisão, um barril de pólvora.

Acreditamos que os problemas macros se repetem em todas as unidades prisionais do Estado: falta trabalho, um enorme descaso público com a preparação dos internos para a volta a sociedade. O não oferecimento de atividades laborativas, de capacitação profissional ao coletivo carcerário, é uma aposta certa no seu retorno à prisão.

Gerar capacitação intramuros fortalece o trabalho de inserção social dos cidadão presos. É uma atitude pedagógica, formadora de novas visões sobre a sua importância enquanto pessoa, exercitando a sua capacidade de aprendizado, despertando potencialidades, criando laços com o saber e com o pertencimento.

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional de 2014, só 16% do efetivo carcerário trabalha. O restante vive em uma ociosidade forçada, cruel, perniciosa. É necessário vontade política para mudar esse quadro. Necessário é também o movimento do Estado no sentido de sensibilizar a iniciativa privada através de incentivos fiscais para empresas que instalem oficinas laborativas nas unidades prisionais.

Que se possam abrir as portas das unidades para o trabalho da sociedade civil, através das suas instituições, organizações não-governamentais, fundações, associações, igrejas, entidades filantrópicas e todos que quiserem somar em um trabalho preventivo, profilático que é a valorização do ser humano. Que cada um possa dar sua contribuição para o retorno desses homens e mulheres ao convívio em sociedade.

Até o princípio da década de 1980, a presença da sociedade civil era mais visível dentro do sistema carcerário. Havia várias atividades culturais, lúdicas, festivais de poesias, de música, campeonatos de futebol, cursos de teatro e artesanato mesmo em unidades de segurança máxima como a Penitenciária Cândido Mendes, na Ilha Grande. A movimentação de pessoas de fora, de outros olhares, desenvolvia um ambiente menos tenso, e, mesmo sem querer ou saber, se transformavam em fiscalizadoras, inibindo práticas violentas, desmandos e a própria corrupção.

A partir de então, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro – antigo Departamento do Sistema Penitenciário (Desipe), tem aplicado uma política perversa, a “política de muros altos”, que se resumiu em afastar a sociedade do convívio com a prisão, tendo como alegação “questões de segurança”.

Com isso, desenvolvemos um ambiente volátil, perigoso tanto para o preso quanto para o agente penitenciário, gerando um processo degenerativo nas relações entre preso e funcionários que se reflete hoje, em ambos os lados, num grau de corrupção e indisciplina inadimissíveis.

Preso é como bumerangue: ele se afasta do convívio social por um determinado período de tempo, circula pelas masmorras do Estado por cinco, dez, 20, 30 anos, mas, em algum momento, faz uma curva e retorna ao lugar de onde saiu. A interação da sociedade com esse público prepara o preso para a volta a sua origem. Traz luz sobre o trabalho extenuante dos agentes penitenciários, da falta de condições, de suporte psicológico, de visibilidade.

Falta educação. Não há resgate comportamental que se possa fazer sem a educação, a autodescoberta, a percepção de si mesmo, de quem se é e em quem se transformou nesse 500 anos de história. O conhecimento é ferramenta fundamental na recondução do homem ao convívio com o outro, mas só 9% estudam.

Não há acompanhamento psicológico ou social do apenado, fazendo com que esses indivíduos, na sua maioria, jovens, entrem numa espiral decrescente embrutecedora. O trabalho dos setores se resumem em fazer relatórios para comissões disciplinares a fim de embasar pedidos de benefícios à Vara de Execuções Penais. O homem, enquanto um ser, uma pessoa em teste com a vida, não é visto. Há bons profissionais, mas não há vontade política da direção do sistema, de quem comanda os caminhos.

A alimentação é a pior possível, apesar do Estado pagar uma conta salgada às empresas fornecedoras de alimentos, que, na maioria das vezes, oferecem comida estragada, mal cozidas, azeda, pela demora da sua distribuição. Isso é uma relação ruim de custo-benefício para o Estado, pois o preso adoece com muito mais frequência, aumentando o custo da estadia no sistema, que se reflete em remédios, gasolina para a escolta levá-lo ao hospital, deslocamento de funcionários que poderiam estar cobrindo outros setores.

A falta de critérios na divisão dos internos nas unidades prisionais, sem a observância do texto da lei, faz com que presos primários possam se capacitar através da interação com presos mais articulados. Sabemos que as prisões são linhas de produção ativas de aperfeiçoamento da marginalidade – por isso, é urgente um reordenamento desse efetivo para que a prisão possa ser uma passagem e não um destino.

O atendimento jurídico, apesar do esforço da Defensoria Pública, ainda é precário. Não há um número suficiente de defensores para responder a uma demanda que atualmente é muito maior do que sua capacidade de atendimento.

O tratamento oferecido aos familiares é desrespeitoso, aviltante. A família, apesar de “cumprir compulsoriamente a pena”, não faz parte do efetivo carcerário. Ela é esteio, suporte. Sua presença humaniza as prisões. Tratá-la mal, colocá-la em estado constrangedor, humilhá-la não contribui para a humanização do seu preso. Só atiça as diferenças, envenena o convívio.

A política aplicada hoje é a de repressão, como se isso pudesse gerar desdobramentos positivos. O que gera respostas positivas é a disciplina somada ao trabalho e atividades educacionais e culturais.

Contraproducente é também construir unidades prisionais sem aumentar o número de funcionários, através de concurso público, para gerir essas unidades. Isso faz com que os agentes trabalhem em estado de alerta constante, “com dedo no alarme”. Para qualquer movimentação diferente, o alarme pode ser acionado. É um trabalho desgastante, que compromete psicologicamente o funcionário, fazendo com que a relação do preso com o agente seja de constante atrito.

Não se pode ter uma cultura que respeite e obedeça a lei a menos que se implante na sociedade a ideia da responsabilidade civil igualitária. A liberdade é um bem fundamental e o direito à cidadania consiste também na observância e preservação do direito do indivíduo, mesmo sendo ele um cidadão preso.