Tempos de guerra

Era fim de tarde no Jacarezinho, uma comunidade da Zona Norte do Rio com cerca de 35 mil habitantes, a grande maioria é negra segundo censo do IBGE. Todavia, nem era preciso o censo ter dito isso, é só dar umas bandas pela comunidade que se nota. Isso aqui é um grande quilombo, parafraseando meu amigo Rumba Gabriel.

O fim de tarde no Jaca é barulhento, principalmente quando é sexta-feira, a molecada se agita, corre, grita, pula e também xinga.Ontem não foi diferente. Eu sentado ao computador vendo minhas coisas, mas atento aos ruídos, grunhidos, chiados e barulhos de toda ordem que corriqueiramente invadem meu cantinho de mundo. De repente a normalidade auditiva foi quebrada, um barulho mais brusco, nervoso e traumático. Crianças correndo assustadas, passos desesperados, um pedido de ajuda inocente que sai naturalmente:  _ Ai meu Deus! Exclama uma voz infantil. Logo em seguida um xingamento: _ Filho da puta! Já era uma voz masculina adulta. Depois do xingamento o estampido de um tiro que me pareceu ser de pistola, pow! E os passos continuam rumo a algum lugar. A imagem mental que fiz da correria foi a seguinte: os primeiros passos eram de um menino fugindo esbaforido com o flagrante. O segundo, de um policial com seus coturnos pesados. O xingamento foi feito pelo policial assim como o tiro desnecessário. O menino por assim dizer,  estava desarmado. Vapor não anda armado.As crianças da ruazinha nesse caso eram figurantes de uma cena trágica, possíveis vitimas de uma bala perdida.

Consigo até imaginar as manchetes do dia seguinte nos telejornais marginalizadores e insensíveis, seria mais ou menos a seguinte: “Uma criança foi morta numa troca de tiro entre policiais e traficantes na tarde de ontem no Jacarezinho”. Assim mesmo, sem averiguação, sem ouvir os dois lados da história, apenas a versão da policia é o bastante. É a era do jornalismo pueril, grotesco e fraudulento. Depois desse fato a comunidade continuou sua rotina.

Mais tarde fomos para uma festa de aniversário de um parente. Cervejas, batidas, red bul e essas coisas que a juventude adora. Eu particularmente fico só na cerveja, meu organismo não comporta nada além disso. No auge da festa uma correria, um bando de gente descendo a rua principal que desemboca num local conhecido como Rei do Gado. A essa altura eu já estava com minha câmera em mãos, saí da linha de tiro e me posicionei para registrar os acontecimentos De repente um barulho e mais correria, dessa vez não pude identificar se era um tiro ou o que era . Podia até ser uma bomba de efeito moral. Olhei para cima de onde  veio o barulho e vi um grupo de policiais gesticulando e apontando as armas. Fiquei ali observando o desfecho do enredo. Os Pms após um tempo, subiram a ruazinha e desapareceram nos becos escuros da favela.

Ficou a indignação de quem apenas queria se divertir. Olhei os semblantes preocupados das pessoas que se aglomeravam no barzinho querendo saber o que eu havia registrado. Me despedi e fui pra casa, afinal não havia mais clima pra festa.  Porém uma certeza quase óbvia povoava meus pensamentos: A continuar assim o Jacarezinho vai ficar que nem o Complexo do Alemão: em guerra.

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Prettu Junior
Rapper, escritor e ativista da cultura hip hop, no Rio de Janeiro. Participou efetivamente de iniciativas de delegações brasileiras que participaram na III Conferência Mundial contra o racismo, a xenofobia e formas correlatas de intolerância promovida pela ONU, em Durban, na África do Sul. Participou também do fórum social mundial, nos anos de 2002 e 2003, em Porto Alegre, no qual teve a oportunidades de desfilar seus versos e rimas recheados de críticas sociais. Foi um dos protagonistas na criação da iniciativa “fórum das periferias”, no Rio de Janeiro, que infelizmente não se realizou por completo. Fez shows e apresentações em várias partes do Brasil, América do Sul e Central.