Movimentos: jovens de favela debatem política de drogas

Grupo de jovens do Movimentos ao lado de Julita Lemgruber, do CESec (Créditos: Ana Clara Telles)

O Centro de Artes da Maré ficou pequeno no último sábado, 02, para o lançamento das ações do Movimentos: Drogas, Juventude e Favela, grupo formado por jovens de diversas favelas do Rio que pretende discutir política de drogas. Debate, sarau, lançamento de cartilha e festa marcaram a data com grandes personalidades negras da periferia e da academia.

Sob um viés bem diferente da usual guerra às drogas que estampa os jornais, o Movimentos promete oferece outra visão sobre o assunto: o olhar do jovem da periferia, sempre altamente impactado pela guerra que faz vítimas de ambos os lados e acaba com a paz de quem ali vive. O grupo, formado por jovens lideranças de diversas favelas da Região Metropolitana do Rio, nasceu dentro do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC-UCAM) e deu passos importantes, como o desenvolvimento da cartilha que representa a completude do processo.

 

Debate com personalidades negras no lançamento

Djamila Ribeiro, Douglas Belchior e Jeferson Barbosa durante debate no lançamento do Movimentos, no Centro de Artes da Maré., que contou com a mediação da integrante do Movimentos Daiene Mendes. (Créditos: Ana Clara Telles)
Djamila Ribeiro, Douglas Belchior e Jeferson Barbosa durante debate no lançamento do Movimentos, no Centro de Artes da Maré., que contou com a mediação da integrante do Movimentos Daiene Mendes. (Créditos: Ana Clara Telles)

O Movimentos já chegou causando. O projeto foi apresentado com o aval da filósofa Djamila Ribeiro, a jornalista do Jornal O Globo Flavia Oliveira, o professor e colunista da Carta Capital Douglas Belchior e o ativista Jefferson Barbosa, que participaram de uma roda de conversa sobre as formas com que uso, proibição, tráfico e varejo de entorpecentes são tratados no país. A noite foi de grandes questionamentos sobre a chamada guerra às drogas, que, para Djamila Ribeiro, “é mais uma forma de controle social e extermínio da população negra”.

O empoderamento real periférico também marcou as discussões. No país onde 77% das vítimas de homicídio são homens negros, a necessidade de buscar saídas é fundamental – quase uma estratégia de sobrevivência diante do rolo compressor das políticas públicas que pensam o assunto exclusivamente pelo viés da segurança. Professor de história, Douglas Belchior revelou a existência de um documento da Escola Superior de Guerra escrito em 1988 que descrevia a política de drogas aplicada hoje nas periferias de todo o país: “Vivemos uma construção democrática enviesada que nunca contemplou os negros”, resumiu.

Drogas e segurança são ainda grandes negócios para o país, que representam cifras bilionárias. Flavia Oliveira lembrou que os gastos com este setor privado no Brasil correspondem a 2% do PIB e criticou a chamada narrativa do “mal necessário” quanto às mortes nas favelas causadas pelos confrontos: “Tem muito dinheiro envolvido nessa lógica que dizima nossa juventude negra”. Muito disso se dá, segundo ela, por uma falta de democratização da mídia, pautada pela ausência de diversidade que está inclusa até mesmo na raiz de um jornalismo feito majoritariamente por pessoas brancas e de classe média: “Não há diversidade na narrativa. Eles dialogam entre eles”, aponta ela ao lembrar que isso gera muitos preconceitos contra a favela e sua relação com violência, polícia e narcotráfico.

Flavia Oliveira apontou seu perfil único de mulher negra e suburbana no jornalismo econômico e criticou a forma com que o jornalismo trata da política de drogas: "Ignorar as camadas diferentes do país é incompetência".
Flavia Oliveira éumas das poucas mulheres negras jornalistas da grande imprensa especializada em economia. (Créditos: Ana Clara Telles)

A aplicação de uma política de drogas realmente eficaz passa pela política institucional. Flavia Oliveira acredita que perdemos a possibilidade de viver reais avanços na política de drogas, enquanto ainda batalhamos para “não perder direitos”. A solução, para ela, é a tomada de poder por parte do povo negro, que precisa ocupar cargos políticos, principalmente, no legislativo: “Temos que criar estratégias para tensionar o sistema”. Douglas Belchior concordou, apontando que a solução está numa esquerda mais diversa: “O que mais tem agora é resistência na favela, resistência dos pretos, resistência das mulheres pretas. Nós somos a esquerda antes de ela existir (formalmente). É desse lugar que tem que surgir algo”.

 

Tabu na favela

Morador da Baixada Fluminense, o integrante do Movimentos Jefferson Barbosa lembrou durante o debate que falar sobre drogas dentro das favelas é por si um tabu, já que a questão pauta bastante a vivência dos moradores nestes territórios. Para ele, a juventude local pode, pela primeira vez, protagonizar um debate que perpassa, inclusive, a questão econômica em uma distante possibilidade de liberação do uso de entorpecentes no país – afinal, o que aconteceria com a economia das favelas se as drogas fossem liberadas?

Enquanto a pergunta fica só nas hipóteses, os avanços reais seguem existindo: “O passo principal já está acontecendo. A gente está na Maré falando sobre isso pro país inteiro”, resumiu.