Sobre história e reincidência

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No próximo dia 07, o Brasil completa 194 anos de Independência. Este processo se deu de forma linear e sem grandes conflitos com Portugal – uma vez que estamos comparando as lutas por independência em países da África também colonizados pela coroa portuguesa. Ao olharmos a história do país, sempre encontramos passagens que aparentemente nos colocam na contra-corrente dos acontecimentos mundiais.

A nossa independência, segundo os livros de História, se deu através de um grito proclamado por Dom Pedro de Alcântara Bragança às margens do Rio Ipiranga. Assim, passávamos a ser o Império do Brasil. Depois de algumas décadas, em 15 de novembro de 1889, nos tornamos República, também sem grandes confrontos. Se estivermos atentos, aí está mais um diferencial das histórias de outros países – no caso, nossos vizinhos latino-americanos.

No entanto, se observarmos mais a fundo, saberemos que esses episódios não foram tão lineares e tampouco ausentes de violência. Aqui se registra um traço da formação social desse país: as grandes mudanças societárias tiveram por princípio a exclusão das massas nas tomadas de decisões políticas. Tal restrição, desde esses tempos, possui uma característica em comum, que é o uso brutal da violência contra qualquer forma insurrecional dos povos oprimidos no intuito não só de conter, mas de impossibilitar outros levantes.

A Guerra de Canudos é um exemplar dessa violência. O movimento insurgente na Bahia entre os anos de 1896 e 1897 contestava as péssimas condições de vida do povo sertanejo em um embate direto com a concentração fundiária da terra. As elites assustadas com a constituição independente de Canudos, que aglomerou mais de 25 mil habitantes, tratou de denunciá-los como oponentes à recém-nascida República, para que dessa forma se conseguisse apoio público, o que culminou em três ataques do exército e a destruição total daquele povoado.

Esse incurso à História recente nos dá uma pequena mostra de que a situação hoje vivenciada nas periferias das grandes cidades não é casual. É fruto de práticas militares advindas desde o Brasil colônia. Há algumas semanas, a favela do Jacaré teve seu fluxo cotidiano interrompido pelas forças brutais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e também pelo Exército, que permanece nas ruas até dezembro de 2018.

Vivemos uma suposta guerra às drogas, no entanto, o que temos assistido é um intenso e sistemático processo de extermínio das populações de favela. Basta recorrer ao índice de homicídios de civis cometidos por essa mesma polícia. O que podemos inferir com tamanha violência é que o risco real que as elites querem evitar é um possível levante popular de todos aqueles que estão sofrendo direta ou indiretamente.

No próximo dia 07 de setembro, provavelmente, assistiremos mais um desfile das forças militares pelas ruas do centro do Rio de Janeiro. Mais que em outros tempos, a demonstração do poder bélico é mais para o inimigo interno do que para possibilidades de enfrentamentos fronteiriços. Se nossa memória está fresca, a suposta insurgência do dito inimigo interno teve o seu apogeu nos tempos obscuros da Ditadura Civil-Militar Brasileira, ocorrida entre 1964 e 1985. O autor alemão Karl Marx alertou em O 18 Brumário de Luis Bonaparte (1852) que a história se repete primeiro como tragédia, depois, como farsa. Ao que parece, na realidade vivida pelos favelados a tendência tem sido a tragédia. Até quando aguentaremos isso?