Rumo ao sul do mundo, na trilha da Cultura Viva

Ilustração do artista uruguaio Joaquín Torres García: “América Invertida", de 1943 (Créditos: Reprodução Internet)

Escrevo essas mal traçadas linhas no aeroporto do Galeão, portão de embarque do voo 1293 das Aerolíneas Argentinas que, com algum atraso, me leva a Buenos Aires. A capital argentina é o ponto de partida para uma viagem de 10 dias por quatro cidades e dois países – vou também ao Uruguai. Nas próximas duas semanas, as aventuras deste rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco nem parentes importantes, serão o tema desta conversa com “a meia dúzia” de leitores fiéis que tenho aqui no portal da ANF.

Não sei viajar de férias. Gosto mesmo é de viajar a trabalho, para encontros, intercâmbios, reuniões, projetos. A ideia de “viajar de férias” para não fazer nada, ficar na praia, de papo pro ar, pensando na vida, me soa monótona, entediante. É um defeito, eu sei. Crianças e papais, não façam isso com as férias de vocês. Juro que já tentei fazer diferente. Mas, quando me dou conta, já estou marcando alguma visita a um parceiro, um almoço de trabalho, uma reunião etc. Férias, pra mim, é poder ficar em casa, aí, sim, sem fazer nada. Viajar é, para mim, atividade intensa, esporte de alto rendimento. Portanto, apesar de começar na véspera de um feriadão, esta não é uma viagem de férias, nem de descanso. Na Argentina, não existe feriado de 07 de setembro.

E qual o motivo desta viagem, já deve estar se perguntando o leitor? São vários! Estou indo assinar o contrato para a tradução e publicação em espanhol do meu livro Cultura Viva Comunitária: Políticas Culturais no Brasil e na América Latina, lançado este ano pela ANF Produções. Vai sair em parceria pela RGC Ediciones, um pequeno editorial argentino dedicado a temas de gestão cultural, que já traduziu e publicou em espanhol nomes como Marilena Chauí, Célio Turino, Albino Rubim, Rodrigo Savazoni… E eu, agora, que passo a fazer parte deste seleto time! Se publicar no Brasil já é difícil (e, no meu caso, se não fosse pela parceria do André Fernandes e do dream team da ANF, isso não teria sido possível), ter a sua obra traduzida é algo extraordinário.

De fato, o tema do livro tem despertado o interesse de pesquisadores, gestores, militantes culturais e demais agentes das áreas de gestão e políticas culturais no Brasil e na América Latina. Na Argentina, participo de debate e lanço o livro na Universidade de Córdoba, a primeira do país e uma das mais antigas do continente. Eu me reúno com a equipe do Ministério da Cultura argentino, responsável pelo gestão do programa nacional de Puntos de Cultura. É interessante observar que, na Argentina, mesmo com a eleição de Macri e a mudança de orientação política do governo, o programa não só se manteve como foi ampliado e qualificado. Sem dúvida, é uma vitória da sociedade civil, que se organizou para sustentar e defender a manutenção e ampliação do programa. Sí, se puede!

Nas próximas duas semanas, participo ainda de encontros nacionais de Cultura Viva Comunitária da Argentina e do Uruguai como debatedor e palestrante, mas, especialmente, como um observador-participante, atento e interessado. É muito bacana perceber que uma política cultural surgida no Brasil, mesmo com as dificuldades e retrocessos enfrentados em nosso país, tem inspirado e animado políticas públicas e processos de organização da sociedade e do setor cultural em diversos países, cidades e realidades latino-americanas. Aprender com cada processo, seus impasses, dificuldades, avanços e possibilidades nos ajuda a identificar o destino comum que nos une aos países de nossa região do mundo, a “pátria grande” do sonho de Simón Bolívar: a América Latina.

Estou curioso sobre a situação política da Argentina na era Macri, especialmente depois das eleições primárias e a vitória apertada de Cristina Kirchner sobre o candidato do governo na província de Buenos Aires. Quero olhar a programação dos teatros e as estantes das livrarias da Avenida Corrientes, passar por alguma manifestação política – programa diário em Buenos Aires, se tiver tempo, ver as novidades do sempre ótimo cinema argentino, que não chegam por aqui, tomar bons vinhos e comer bife de chorizo, pois ninguém é de ferro, visitar o Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires (Malba), promessa que me faço todas as vezes que vou a Buenos Aires e que, dessa vez, espero cumprir… E, por fim, arrumar tempo entre uma correria e outra para, nas duas próximas colunas, dividir por aqui relatos e impressões desta viagem. Bienvenidos!