Pra variar, estamos em guerra

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Os dados divulgados hoje pela Anistia Internacional no relatório anual O Estado dos Direitos Humanos no Mundo são estarrecedores. A violência contra os mais pobres segue como um dos muitos pontos que denotam a fragilidade e ineficiência das políticas de segurança pública e direitos humanos no Brasil. Pessoas do sexo masculino, na faixa etária de 15 a 24 anos, raça negra e baixa renda são há anos as maiores vítimas da violência. No Rio de Janeiro, que possui uma das tropas de segurança mais controversas do país, essa realidade salta aos nossos olhos o tempo inteiro, especialmente no atual momento de completo desgoverno do Estado.

Os números são de guerra: 818 pessoas foram assassinadas pela polícia entre janeiro e novembro de 2016. A realização dos Jogos Olímpicos, que a cada dia se revelam um engodo mais pungente de corrupção e violência para a história desta já trágica cidade, só pioraram a situação. 217 tiroteios aconteceram na cidade oficialmente, o que levou à morte de 12 pessoas e a um sem número de feridos. Quem mora em favelas como a de Acari lembra muito bem dos dias de horror vividos enquanto o resto do mundo se fascinava com o espetáculo midiático que acontecia a alguns quilômetros dali.

Em 2017, vivemos uma crise de segurança sem precedentes, com greve da Polícia Civil e a disparada informal do número de crimes na cidade – sem os registros da polícia, não é possível gerar estatísticas, muito menos estratégias de curto prazo na prevenção. O aplicativo Fogo Cruzado registrou 303 tiroteios na região metropolitana só em janeiro. Os Complexos do Alemão e Maré chegaram a vivenciar tiroteios diários por quase uma semana na primeira semana de fevereiro, o que atrapalhou o início do ano letivo de muitas crianças destas comunidades. Mais de 20 policiais já foram assassinados só este ano. A tropa sofre com más condições de trabalho, salários atrasados e a falta de apoio da população, que demonstra absoluto descrédito com a corporação. No Rio de Janeiro, o cidadão tem tanto medo da polícia quanto de bandido.

Neste jogo de forças, o que os governos têm feito para alterar este quadro? Absolutamente nada. A recomendação da ONU para que o registro dos chamados autos de resistência seja abolido foi completamente ignorada pelo Estado brasileiro, que mantém suas políticas quase genocidas de enfrentamento da criminalidade. A Polícia Militar do Rio e de vários outros estados segue com seu modus operandi de criminalização da pobreza, sem abandonar o trabalho sujo mesmo diante de ameaças internas de paralisação, a exemplo do que ocorreu no Espírito Santo. As incursões policiais não deixam de acontecer e aterrorizar os moradores das áreas mais vulneráveis do Rio. O Governo do Estado afirma não possuir recursos para pagar seus servidores, mas parece que há verba de sobra para queimar cartucho nas favelas.

A guerra não vê cara, coração, carteira de trabalho nem declaração de antecedentes criminais. Enquanto os governos brasileiro e fluminense se omitem, pais e mães de família, vendedores, policiais militares, crianças a caminho da escola, traficantes, dançarinos de funk, professores, médicos, ativistas, trabalhadores da construção civil, engenheiros, assaltantes, esportistas, motoristas de ônibus, policiais civis, garçons, marceneiros, turistas, moradores do asfalto, moradores de favela: todos nós seguimos morrendo.