Por onde anda o cinema de favela?

Créditos: Mauricio Hora / Zona Imaginária

Quem tem mais de 30 anos, trabalha ou se interessa pelo universo do audiovisual e nunca foi abastado sabe do quanto parecia difícil fazer cinema há uma ou duas décadas. Antes da popularização das câmeras DSLR (digital single-lens reflex), botar as ideias na telona requeria muito dinheiro, fosse para comprar ou alugar equipamento e até arcar com os custos permanentes com as mídias físicas. Fazer cinema à moda clássica na caríssima película, então, parecia um sonho impossível.

Tudo isso mudou. A produção audiovisual nunca esteve tão forte, principalmente nas periferias. A tecnologia, que hoje permite que filmes inteiros sejam gravados no celular, tornou possível a democratização do acesso às ferramentas de criação. Isso se intensificou ainda mais com o YouTube e a moda dos canais de vídeos. O produtor cultural Felipe Gaspary, que é de São Gonçalo e tem mais de 200 mil seguidores no canal voltado para o rap nacional e as edições de sua Batalha do Tanque, é um desses exemplos.

Também vemos hoje muitos coletivos de comunicação e audiovisual nas favelas, como o GatoMÍDIA, e a realização de festivais para os realizadores periféricos, como o Visões Periféricas e a recente Mostra de Filmes Imagens e Complexos. Há ainda investimentos estatais no setor, com editais voltados exclusivamente para o financiamento de projetos de cineastas de favela, o que é excelente por representar um reconhecimento a esse tipo de produção de cultura.

Apesar de tantos pontos positivos, eu, particularmente, sinto falta de ver, porém, mais formação em audiovisual para as favelas. Os anos 2000 viveram um boom de cinema de favela e de cursos de vídeo oferecidos por ONGs nas comunidades. Havia uma cena bastante efervescente, com eventos que escoavam essa produção e tinham o apoio de organizações grandes, como no caso do Hutúz Film Festival e do Cinecufa (ambos criados pela Central Única das Favelas, que investia pesado no setor). Hoje, há iniciativas esparsas, como o Cinemaneiro (que realiza um excelente trabalho na Maré), mas que certamente não atendem a toda a possível demanda.

Parafraseando o grande Glauber Rocha, ter uma ideia na cabeça e uma câmera na mão é fácil nos dias de hoje. Porém, ter uma produção consistente demanda um conhecimento técnico que ainda é muito distante de quem não tem condições de investir em um bom curso, por exemplo. Sim, estamos na era do faça-você-mesmo, mas se é possível dar o caminho das pedras, por que não? O cinema pode ser uma grande ferramenta para disputar uma juventude criativa, sedenta por conhecimento, que vive à margem das oportunidades, mas que pode ir mais longe. Instrumentalizar é preciso. O céu é o limite.