Papel e cola – O lazer na favela

“Meu Deus, esta hora que não passa, não vejo o momento que vou passar na papelaria comprar papel fino e cola, depois ir lá no mato pegar bambu.  A melhor pipa será a minha, vou corta geral”, assim dizia um senhor de 40 anos esperando sair do seu trabalho depois de 24 horas de plantão como segurança. Na favela é isso que temos em cada laje, temos pessoas de 4 a 80 anos soltando pipa ou apenas observando, e se não estão na laje estão em algum lugar da favela olhando para o céu lembrando de momentos bons que teve soltando pipa. A pipa é uma brincadeira que nos leva a inocência da vida, algo que nos livra desta rotina massacrante que um mundo louco nos exige. Eu sempre quebrava a minha pipa de raiva pois não conseguia colocar ela no alto, porém logo após quebrar, ia comprar outra. A pipa, ela mesmo, este pequeno brinquedo, simples de fazer, muitas das vezes sem dinheiro para comprar a pipa, improvisamos , fazendo o velho cachotinho, que era um papel com as laterais dobradas e uma linha amarrada nas pontas. Em cada favela o tempo de pipa é como um relógio que avisa que o tempo de férias escolares chegou, e no céu está ela mostrando a liberdade do garoto, mostrando a infância do senhor, mostrando o rompimento da barreira do machismo e mostrando que mulher também sabe corta. Existe em cada um de nós a necessidade de retornar a infância, de buscar ser simplesmente humano, sem necessidade de ganhar dinheiro, buscar se divertir. Que bons ventos venham para levar minha pipa para longe e assim também as preocupações das contas, da violência diária das favelas, mas que a linha que nos permite movimentar e ter controle da pipa, seja a mesma linha que nos mantenha no controle do nosso destino.

Foto: André Fernandes/ANF
Foto: André Fernandes/ANF