O São Carlos de Luiz Melodia

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A carreira do cantor Luiz Melodia, morto nesta sexta-feira, 04, se confunde com o lugar de onde ele saiu, mas que nunca saiu dele: o Morro de São Carlos, no Estácio, Zona Norte do Rio de Janeiro. Foi ali que cresceu o filho da costureira Eurídice e do funcionário público e também músico Oswaldo Melodia, de quem Luiz herdou o apelido. A infância e juventude na favela marcaram sua história, mas também a história da própria música brasileira.

Berço do samba, o Morro de São Carlos viu nascer aos seus pés a Deixa Falar, primeira agremiação carnavalesca da história, que reunia no fim dos anos 1920 gente do calibre de Ismael Silva. O Estácio era a meca da malandragem para a nata da boemia carioca, perdida entre o Canal do Mangue e a Lapa a tocar o terror na burguesia escandalizada. Desde então, a polícia já tomava para si o papel de algoz das classes populares, reprimindo as rodas de samba.

Mas foi numa dessas, quando a situação já havia se amainado e o samba se preparava para dominar a indústria cultural brasileira, que Luiz Melodia, neto de uma moradora da Favela do Jacarezinho, teve contato nos anos 1950 com o gênero ao lado do pai. O caldo ainda ganhou pitadas de bolero, seresta, choro e música nordestina. Na adolescência, o menino Luiz saiu do eixo com o rock ‘n’ roll, criando seus primeiros grupos musicais e participando de shows de calouros – para o desespero do pai, que queria ter um filho “doutor”. A maturidade o levou a experimentar ainda mais, entrando em contato com jazz, blues e a tropicália, que o formou como artista.

Melodia desceu o morro no início dos anos 1970 para alçar novos voos, cruzando com figuras da cena artística como o “padrinho”, poeta e agitador cultural Waly Salomão, o artista Helio Oiticica e medalhões como Caetano Veloso e Gal Costa. Mas o bairro de nascença continuou lá: no ano de 1972, apresentou o espetáculo “Estácio Blues” e teve a sua “Estácio Holly Estácio” gravada por Maria Bethânia.

O estouro dos discos seguintes levaram Luiz Melodia ao sucesso nacional, mesmo quando ousou homenagear “toda a bandidagem do Morro do São Carlos” ao lado de artistas renomados e figuras de sua infância no disco “Mico de Circo” (1978), como contou alguns anos atrás em entrevista. Nas últimas quatro décadas, suas músicas ecoaram por toda a favela nos radinhos de pilha e nas trilhas de novela dos anos 1980 e 1990 – o clássico “Codinome Beija-Flor”, famosa na voz de Cazuza, é presença quase diária até hoje no dial carioca.

No fim da vida, Luiz Melodia lamentava a escalada de violência no São Carlos sem jamais deixar de lembrar de onde veio. Cria é assim mesmo: a voz do morro não morre jamais.