O Museu da Escravidão

Créditos: Alberto Henschel, "Negra com turbante"

Apesar da desconfiança do setor de cultura com a chegada do novo prefeito Marcelo Crivella (PRB), ao anunciar o nome da nova secretária de cultura Nilcemar Nogueira para comandar a pasta, a posição geral foi de alívio. Apesar dos bons prognósticos, ela acaba de comprar uma briga ao anunciar que pretende criar o Museu da Escravidão em memória dos africanos escravizados trazidos para o Brasil.

Eu, que sou negro e produtor cultural, não me senti à vontade. Pessoalmente, acho muito boa a ideia em si, porém, o título me soa um pouco infeliz. No artigo “Por um museu sobre a verdade”, publicado ontem no Jornal O Globo, a secretária exalta sua ideia e explica a escolha:

“Um museu sobre a escravidão não pode esconder em seu nome a dimensão histórica desse tema, mas sim ressignificá-la. Se a história da escravidão toca a violência e a privação de direitos, dá também testemunho da resiliência e indestrutibilidade do espírito humano, dos atos de resistência e rebelião, dos esforços de recriação de identidades e de sentimento comunitário; enfim, da luta e conquista da liberdade. Para além do horror e da dor da escravidão, mas sem esquecê-los, esse espaço público deve celebrar a profunda influência africana na cultura brasileira: nossa musicalidade, artes, festas, religiosidade, culinária, falar, nosso jeito de viver e sentir, heranças de nossos ancestrais. Reverenciar Clementina de Jesus e Lima Barreto, Mestre Didi e Pixinguinha, Mercedes Baptista e Mãe Menininha do Gantois, e tantos, tantos, conhecidos e anônimos construtores do Brasil. Reconhecer que muitos ainda sofrem os legados da escravidão requer um museu como vetor de autoestima, desenvolvimento humano, oportunidades socioeducativas e impactos sociais duradouros.”
(Nilcemar Nogueira, Por um museu sobre a verdade, publicado no Jornal O Globo em 22 de janeiro de 2017)

Infelizmente, preciso discordar mais uma vez da secretária. Não acredito que a criação de um museu seja suficiente para atenuar o efeito do racismo no cotidiano. Não é a vista de um pelourinho que fará um racista mudar de opinião. Muito pelo contrário, talvez um racista vá ao museu para se comprazer ao ver instrumentos de tortura ou algo do tipo.

Assim como a imprensa não fala os nomes das facções criminosas para não fortalecer essas quadrilhas, palavras que remetem à escravidão devem ser usadas somente em situações negativas. Sugestão para nomes não faltam: “Museu da História Afrobrasileira” ou “Museu da Cultura Negra Brasileira” são mais agradáveis de ler/ouvir do que “Museu da Escravidão”, sem dúvida.

Acredito nas boas intenções da secretária, muito por causa de sua origem negra, por sua militância no mundo do samba enquanto neta do grande Cartola e também por sua carreira acadêmica respeitada e competente. Como disse acima, sua nomeação foi uma escolha muito acertada do novo prefeito. Mas, já que o museu ainda está no mundo platônico das ideias, seria muito interessante que a Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro chamasse o povo da nossa cidade a participar deste processo – por exemplo, promovendo uma consulta ou uma enquete que poderiam nomear o centro cultural que vai retratar um dos períodos mais tristes do Brasil.