Mudar é preciso: 6 propostas para os próximos anos

Créditos: Marcus Galiña / ANF

Apesar do avanço do conservadorismo mesquinho, ostensivamente reacionário e orgulhosamente retrógrado; apesar da estupidez ser, aparentemente, um dos grandes
movimentos sociais da década; apesar da impressão crescente de que o Brasil não tem mais direita, apenas ré; apesar de todos estes sinais e fatos incontestes, precisamos ter clareza para observar também que, paralelo ao aumento do fascismo e da repressão, inúmeros movimentos novos e promissores também surgem.

São novas articulações da sociedade civil, novos atores em cena desafiando os encastelados partidos e as formas tradicionais de luta política. Há muito de medieval em nossa configuração social atual, mas há também um quê de Renascimento. “O novo sempre vem”, acreditava Belchior. Vivemos tempos sombrios… E excitantes. Um imenso self-service onde, confusos, nos alimentamos, às vezes, de desengano, às vezes, de esperança. Porém, gosto de lembrar que o otimismo e o pessimismo têm um atributo em comum: são contagiantes. É muita treva? Precisamos de pilha para seguirmos lanternas. Então, vou botar essa pilha através destas 6 propostas para os próximos anos. Tô tipo-Calvino, agora que a cidade tá tipo-Crivella.

1) Arte e cultura como principais tecnologias de reinvenção social
A arte é a mais subestimada das tecnologias. O termo tecnologia parece sequestrado pela novidade das máquinas. Mas estou convencido que a arte deve estar no eixo de reinvenção do urbanismo, da educação e da comunicação. Foi o ativismo cultural que me convenceu disso, a experiência viva e efetiva de realização coletiva na cidade. Vi muitas e participei de algumas ocupações culturais que reinventaram espaços públicos, abrindo ágoras, gerando encontros e novas formas de convívio entre arte e pólis. Precisamos de um urbanismo que leve em consideração o impacto das obras imateriais e efêmeras na vida coletiva, precisamos educar governantes para que invistam menos no concreto das empreiteiras e mais na empreitada da cultura. A educação, nossa mais urgente reinvenção, só vai se transformar de fato quando se abrir, se escancarar, se misturar irresistivelmente com a arte e com a cultura. A experiência de dois anos de Ocupa Escola e quatro anos de Segundo Turno Cultural, além das estimulantes palavras do educador português José Pacheco, só me deixam mais seguro disso. E quanto à comunicação: o artista é o primeiro midialivrista. Em tempos de mono-narrativas-hegemônicas por parte das grandes mídias, o artista é a salvaguarda da singularidade perceptiva e da autonomia expressiva. Só a arte pode disputar com a grande mídia o imaginário da população e a leitura dos fatos históricos.

2) A rua é o principal aplicativo da democracia
Já que falamos em Renascença: será Zuckerberg o novo Gutemberg? Não sei, mas muito do nosso renascer é credor desta imprensa atomizada, descentralizada, desta revolução comunicacional que distribui meios de expressão para indivíduos e redes alternativas. Porém, para não ficarmos presos em uma nova Matrix, a rede social só é eficaz quando potencializa os movimentos presenciais. A rua é o principal aplicativo da democracia! É a tribuna do povo, o parlamento da cidadania, o partido difuso que pode enquadrar, amedrontar e mudar a pauta dos partidos de fato. Se a mente vazia é oficina do diabo, a rua vazia é oficina do fascismo. Embora 2015 tenha provado que a rua também pode ser apropriada por movimentos fascistoides, devemos seguir apostando que estar nas ruas é não arredar pé da democracia.

3) Ocupar é irresistível
Governos ilegítimos, justiça seletiva, aparato policial repressor: muitas vezes temos a impressão de que o governo é o principal agente do desgoverno e que estamos financiando através de impostos as bombas que caem sobre nós – bombas metafóricas e bombas de fato. Quando Michel Temer, o golpista-presidente, nos primeiros dias de seu medonho (des)governo decretou a extinção do Ministério da Cultura, os movimentos da cultura desencadearam ocupações por todo o Brasil. Foi, sem dúvidas, o maior e mais duradouro movimento de enfrentamento ao golpe no país. Temer teve que voltar atrás. As ocupações enquadraram o governo. Depois foram as escolas ocupadas de São Paulo que enquadraram o Alckmin. Hoje, centenas de escolas estão ocupadas em todo o país contra a PEC 241 (agora 55). Ocupar continuará sendo uma das principais táticas da resistência.

4) Somos complementares. Não precisamos competir
Esta é uma proposta dirigida principalmente aos ativistas, aos agentes da transformação, aos coletivos de luta. A cidade tem muitas tretas, muita complementaridade vivendo o auto-engano da incompatibilidade. Precisamos ter mais clareza de quem é nosso inimigo comum. Precisamos  de um cessar-fogo-amigo. Isso não é desejar falsa harmonia, nem desacreditar o dissenso. Se não formos sectários nível-intolerante, podemos debater com rudeza e nos aprimorar mutuamente através do confronto de ideias e percepções. Existem muitas pautas, muitos lugares de fala, muitas lutas progressistas. Não há necessariamente uma competição entre elas (às vezes, há, mas não estou falando destes casos). Precisamos aceitar e compreender esta diversidade. A escolha equivocada do inimigo pode nos levar a uma divisão excessiva. E fica muito mais difícil para um Davi desmembrado combater os coesos Golias…

5) Hackear os evangélicos
A verdade nua e crua é que os evangélicos conseguiram o que a esquerda não conseguiu. Através de trabalho de base incessante, ganharam enorme capilaridade territorial, interagindo diretamente com as massas populares, enquanto a esquerda se academicizou e se encastelou. Os evangélicos, em poucas décadas, ganharam poder político, financeiro, midiático e, claro, religioso. Formaram uma força política que disputou e tomou uma fatia de poder do Congresso Nacional, da Rede Globo e da Igreja Católica, o que não é pouca coisa. Muitos se ressentem e estigmatizam toda a massa evangélica por causa disso em vez de buscarem compreender os porquês. Quando falo em “hackear” os evangélicos, busco compreender o “como”, aprender com sua metodologia e tomá-la (adaptando-a) para outros fins. Temos muito que aprender com eles sobre mobilização, associativismo, liderança, trabalho de base etc. É um debate complexo, mas este parágrafo simples é uma provocação.

6) É pelas escolas que devemos recomeçar
A escola pública é o ponto nevrálgico da reinvenção social. É a tarefa mais inadiável. O feito que, se realizado, formará a base para a reinvenção mais ampla. Não acredito em transformação que não comece por aí. Uma sociedade se justifica ou se condena pela escola que ela é capaz de construir. Observem as nossas e seus resultados, tenham humildade e tomem atitude!